Neste Mês da Bíblia, a Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética nos propõe o tema: “Discípulos Missionários a partir do Evangelho de Mateus”. E nos envia para realizar o lema: “Ide fazer discípulos e ensinai” (cfr. Mt 25, 19-20). Dessa forma, nossos grupos de reflexões, pequenas comunidades, círculos bíblicos e demais grupos são chamados a aprofundar o Evangelho de Mateus sob a ótica do “discípulo missionário” que faz discípulos e ensina.
Dos Sinóticos, Mateus foi o evangelho mais citado pelos primeiros escritores eclesiásticos e os pais da Igreja. Isto se deu ao fato de esse evangelho ser o que dedicou maior espaço aos ensinamentos de Jesus. A tradição cristã considerou-o como o “Evangelho Eclesial”, isto é, aquele a partir do qual se elaborou a doutrina da Igreja, o novo povo de Deus, com o propósito de instruir o fiel acerca de Jesus Cristo.
Mateus é o evangelho mais valorizado em toda a tradição da Igreja e tem sido objeto de numerosos estudos e comentários. Orígenes, João Crisóstomo, Cirilo de Alexandria, Hilário de Poitiers, Jerônimo, Agostinho são alguns dos que dedicaram esforços no estudo de Mateus.
O texto proposto pelo evangelista é atrativo! A composição didática do evangelho impressiona. Há, de certa maneira, um quadro da cristologia das comunidades primitivas. Graças às pesquisas estruturais é possível identificar a estrutura mateana. Cinco grandes unidades discursivas de Jesus escalonam o evangelho:
1. O sermão da montanha 5,3-7,27
2. O apostolado cristão 10,5-42
3. O reino dos céus 13,3-52
4. A vida da comunidade cristã 18,3-35
5. O final dos tempos 24,4-25,46
Estas cinco unidades de discurso demonstram como Jesus vive com os seus discípulos, sobre os quais vai construir a comunidade do Reino, e dá-lhes diretrizes para o tempo pós-Páscoa. As unidades são compostas com o objetivo de ajudar os crentes a aprendê-las de memória. Segundo J. Radermakers, os cinco grandes discursos de Jesus distribuem a doutrina do Mestre conforme os progressos da formação de sua comunidade. Trata-se de uma catequese. “Esses discursos são um “vade-mécum” para os responsáveis de comunidades e para os catequistas que atuam em meios cristãos saídos do judaísmo”.
Como Marcos, o evangelho de Mateus contará, numa primeira parte, o anúncio que Jesus faz do Reino de Deus, através de seus ensinamentos e suas curas, com a preparação longínqua da Igreja; e, numa segunda parte, o evangelista mostra a maneira como o Mestre, caminhando para a sua paixão, reúne seus discípulos a fim de constituir a comunidade, testemunha do Reino em gênese.
A teologia tradicional identificou o evangelista Mateus com o apóstolo Levi de quem fala o evangelho. O nome de Mateus, que significa “Dom de Deus” ou “Deus dado”, em grego “Theodoro”, é mencionado em todas as listas de apóstolos do Segundo Testamento (Mt 10,3; Mc 3,18; Lc 6,15; At 1,13). A tradição sinótica cita a vocação de Levi, um “publicano” ou coletor do imposto romano (Mc 2,13-14; Lc 5,27-28). Marcos menciona Mateus como “filho de Alfeu” e conta que ele recebeu Jesus em sua casa (Mc 2,15), mas o primeiro evangelho designa-o como Mateus (9,9). Sua pátria teria sido Cafarnaum, segundo o relato evangélico. Embora fosse pouco comum usar dois nomes semíticos, falou-se a seguir de Levi Mateus como se fez com Simão Pedro. Os Pais da Igreja, como Papias, Irineu, Orígenes, Agostinho, Eusébio, Atanásio e muitos outros, reforçam a dedução bíblica e sustentam a ideia de que Mateus seja o nome e Levi o sobrenome, ainda que reconheçam a dificuldade da junção de dois termos semíticos.
A linguagem utilizada por Mateus facilita a memorização. Ela contém uma estrutura sólida e claramente compreensível, com uma diretriz ética e moral. Os seus discursos são montagens literárias inspiradas nos processos rabínicos de composição: formas repetidas, paralelismos antitéticos ou sinonímicos, e que foram bem conservados por Mateus. Provêm do ensinamento oral praticado pelos rabinos.
Mateus não teme o redito: ele repete uma fórmula típica em diversos lugares de seu evangelho para estabelecer correspondências e facilitar a memorização: “O Reino dos Céus está próximo” (3,2; 4,17; 10,7); “nas trevas exteriores” (8,12; 22,13; 25,30); “a consumação dos tempos” (13,49; 24,3; 28,20) etc. Contaram-se até 27 repetições desse gênero. Contribuem para ressaltar a dinâmica própria do evangelho mateano, seguindo o ritmo de uma assimilação progressiva.
A linguagem mateana pensa à maneira dos semitas: exprime-se com os termos das Escrituras e das tradições palestinas de sua época. Isso aparece claramente no emprego de certas palavras e, sobretudo, de expressões características. Encontramos, assim, um grande número de semitismos, composições próprias à sintaxe hebraica, passados para o grego; enumeraram-se 329, ou seja, três vezes mais do que em Marcos. Mateus cita alguns termos hebraicos, sem explicá-los, com raka (cabeça oca, cretino) em 5,22; Beelzebul (mestre-príncipe, alcunha de Satanás) em 10,25; corbã (tronco das ofertas, tesouro do templo) em 27,6 e etc.
Quanto às expressões típicas do meio palestino do século I, citamos especialmente: “Reino dos Céus”, de preferência a “Reino de Deus” (12 vezes); “meu Pai” ou “nosso Pai que está nos céus” (5, 16.45; 6,1.8; 7,11.21; 10, 32.33; 16,17; 18,10.14.19), o “Pai celeste” (15,13; 18,35; 23,9); “cumprir a Lei” (5,17), “a Lei e os Profetas” (5,17; 7,12; 22,40); “casa de Israel” (10,6; 15,24), “os filhos de Israel” (26,9) etc.
Sobre o destinatário do evangelho de Mateus há certo consenso entre os estudiosos. Trata-se de uma comunidade em Antioquia, na Síria (At 11,19-26; 13,1), capital da província romana, terceira cidade do Império, depois de Roma e Alexandria. A comunidade de Antioquia é uma comunidade viva, formada em grande parte por judeus da diáspora, com uma minoria de pagãos convertidos; é mais aberta na interpretação das Escrituras, na aplicação da Lei, no relacionamento com os pagãos do que a Igreja de Jerusalém, conservadora e ligada à tradição.
Portanto, o evangelho de Mateus é dirigido a uma igreja judaico-cristã com a necessidade de tomar posição em face do judaísmo oficial, do qual se originaram. A grande questão da comunidade é se eles deveriam manter a continuidade com suas raízes judaicas, ou proceder a uma irremediável separação? Mateus enfatiza com firmeza a continuidade, pois Jesus cumpre a história de Israel, mas a própria realização provoca uma ruptura (cf. 4,23; 9,35; 10,17; 12,9; 13,54; 22,7 etc.). Ao citar a “Lei e os Profetas” e dizer que Jesus não vem abolir, mas cumprir (5,17), Mateus ressalta a fidelidade de Jesus à Aliança de Deus com Israel. Ele retrata Jesus com traços judaicos, como livre seguidor e aperfeiçoador da lei e costumes judeus. Jesus supera o ensinamento dos rabinos.
Com esses rápidos traços, podemos aprofundar ainda mais o Evangelho de Mateus, que neste ano nos é sugerido para nos alimentarmos mais e melhor com a Palavra de Deus. As sugestões da CNBB com os temas dos encontros bíblicos para este mês e o resumo do evangelho com o texto base nos ajudarão mais ainda a entrar nessa Palavra importante, luz em nosso caminho.
Que nossas comunidades, grupos, círculos bíblicos, pastorais, pequenas comunidades aproveitem para vivenciar com a lectio divina este belo texto. Como nos tem falado o Papa Francisco: levemos no bolso ou na bolsa um texto do evangelho para ler e meditar nos diversos momentos livres do nosso dia. E com os aplicativos de hoje, ficou muito mais fácil ter no nosso celular o texto bíblico para refletir.
Que a Palavra seja luz em nossos caminhos e nos conduza a ser discípulos missionários para fazer discípulos ao ir pelas ruas e praças ensinando o que Jesus nos revelou.