Definir o amor tornou-se o maior desafio daqueles que procuram exaltá-lo ou justifica-lo. As loas, versos e canções que tangem nossos ouvidos, dia e noite, o definem grotescamente, não como um sentimento puro e profundamente belo, mas com a grosseria e voluptuosidade de um ato, um momento, uma ilusão. Esse é o amor humano, a grande atração não mais sentimental, mas sensorial, que faz das relações humanas um magnetismo simplista e circunstancial; não mais uma afeição profunda e estável como deveria ser. Perdemos o sentido mais intrínseco de nós mesmos, o amor que nos nutre e gera a vida, a vida em sua plenitude. Onde erramos?
É preciso retroceder na origem dos tempos, dos fatos, da nossa própria razão de ser. É preciso reencontrar aquilo que somos, que justifica nossa razão, nosso existir nessa história. “Então Deus disse: ‘Façamos o homem à nossa imagem e semelhança’… Deus contemplou a sua obra, e viu que tudo era muito bom”. Era muito bom. Muito! Não há aqui meio termo. A visão do Criador era a de uma obra perfeita, muito boa, em especial aquela com a qual se identificou à primeira vista: a criatura humana, sua imagem e semelhança! E Deus se apaixonou por ela, sua criatura mais que perfeita! Tanto que, para redimi-la da infidelidade praticada, lhe dá uma segunda chance e oferece parte de si mesmo em holocausto de dor e redenção. Cristo foi a maior prova de amor que Deus nos deu nessa história. Mesmo assim, continuamos negligenciando e deturpando esse Amor.
Não ouvimos o apelo do profeta: “Quero amor e não sacrifícios, conhecimento de Deus mais do que holocaustos” (Os 6,6). Continuamos surdos ao apelo de Jesus no deserto de nossas praias, no comodismo de nossas ações contrárias ao amor puro, ao respeito do que é justo, à construção de mais dignidade pessoal e coletiva, à sensatez de uma vida coerente com as bênçãos da criação divina: “Crescei e multiplicai-vos!” Onde está esse crescimento, essa multiplicação de dons, de vida plena? Onde nossa resposta aos apelos de Deus: “Não vim chamar os justos, mas os pecadores”. Ou será que banimos de nossa história o conceito de pecado, de fraqueza, dos limites que julgamos impostos de cima e por isso os renegamos? Não mais aceitamos ordens, nem disciplina, nem regras? Mandamentos? Nem pensar…
Quem ousou definir Deus como Amor, o Amor maiúsculo? Exatamente o discípulo mais jovem, “aquele que o Senhor amava”. Aquele do qual hoje a mente poluída e deturpada de alguns avançados “teóricos” justifica a homo afetividade, a permissividade, a libertinagem em excesso. Deus é Amor e o Amor é Deus. Sem manchas, sem desvios, sem deturpações! “Este é o meu mandamento: Amai-vos uns aos outros, como eu vos amo”. Aqui não há espaço para qualquer outra prática que não seja a do respeito mútuo, da pureza de sentimentos, da fidelidade “até o fim”, a morte propriamente dita. Aqui a reciprocidade é maior do que nossa desolação e eventuais desencantos, nossas provações e tentações mundanas. “Como o Pai me ama, assim também eu vos amo. Perseverai no meu amor” (Jo 15,9). Esse amor ainda está no ar. E hoje Ele nos chama: “Vem e segue-me”.