Neste dia 07 de setembro, celebramos a independência do Brasil em relação ao governo de Portugal. Desde 1822 esta comemoração é feita em nossa nação. Com várias festividades, feriado, desfiles, paradas, passeatas, discursos e outros modos de comemoração desta data cívica. Estamos acostumados a ler nos livros de História o relato frio e distante de como esse instante teria sido triunfal e glorioso para as pessoas envolvidas naquele momento histórico, assim como na representação artística do quadro nominado de “Independência ou Morte”, que atualmente se encontra no Museu da Cidade de São Paulo, de autoria do paraibano Pedro Américo. Em Belém do Pará, com o dia da adesão, eu aprendi que a independência não aconteceu em todo o país ao mesmo tempo. As divisões que aconteceram entre as várias nacionalidades e as perplexidades foram muitas. Devemos nos lembrar dos milhares de pessoas que sofreram na sua própria existência, entre embates familiares e sociais, aquele momento de tensão.
Este fato que para nós nos parece tão distante, muitas vezes foi revivido em tempos difíceis e de crises na História. Percebemos que hoje também é revivido no quadro de adversidades sofridas pelo nosso país, frente aos últimos acontecimentos políticos. Assim como ontem, vivemos momentos de angústias, incertezas e divisões em nosso meio, contrariando a exortação do Apóstolo Paulo à comunidade de Filipos, e que abre a presente reflexão, pois o Cristo é o nosso ponto de unidade, Ele é a cabeça da qual todos nós somos membros (Romanos 12,5). Essa consciência têm todos os que possuem uma consciência dos valores cristãos que alicerçam e fundamentam a nossa sociedade.
Participar da política, independentemente de qualquer viés ideológico-partidário, pode ser considerado como uma das maiores virtudes cristãs do ser humano, pois é através da política que podemos fomentar a melhora do coletivo, da sociedade global. E o motivo disso está em nossa natureza. Só realizamos plenamente nossa natureza como seres humanos em uma pólis e participamos da política. A razão disso é que a natureza não faz nada em vão, e os seres humanos, diferentemente dos outros animais, possuem a faculdade da linguagem. E ela expressa o que é justo e injusto, distingue o que é certo do errado, e a política, como forma de escolha, é uma das principais maneiras da linguagem se expressar. Apenas por meio da associação política podemos exercitar a faculdade humana essencial da linguagem, porque somente em uma pólis deliberamos com os demais sobre justiça e injustiça e sobre a natureza da vida com dignidade. Com isto, vemos que a política não é apenas um ofício entre outros, mas uma atividade essencial para a vida.
A partir disso, sabemos que todos os regimes são repletos de mazelas, deficiências e limitações, e que somente são reflexos, índices, da nossa condição humana pecaminosa. Peremptoriamente, podemos afirmar que não há regime que seja desprovido das características há pouco citadas. Em decorrência disso, nunca devemos colocar nossa esperança no material, no imanente, assim como nos recorda o Profeta Jeremias 17,5. Mas todos devemos sempre ter como luz o Evangelho, para nos guiar nas veredas da verdade e da caridade.
Nosso bem está ligado de maneira importante às práticas culturais que compartilhamos com os outros em nossa comunidade. Apesar dessa dificuldade em fixar um parâmetro único para o bem comum, neste momento recordo-me do célebre discurso de Rui Barbosa, imortalizado no livro “Discurso aos moços”, no qual ele, como homem público de grande envergadura, assim dizia: “Tenho o consolo de haver dado a meu país tudo o que me estava ao alcance: a desambição, a pureza, a sinceridade, os excessos de atividade incansável, com que, desde os bancos acadêmicos, o servi, e o tenho servido até hoje. Por isso me saí da longa odisseia sem créditos de Ulisses . Mas, se o não soube imitar nas artes medrançosas de político fértil em meios e manhas, em compensação envidei por inculcar ao povo os costumes da liberdade e à república as leis do bom governo, que se prosperam os Estados, moralizam as sociedades, e honram as nações” .
Percebemos que aqui vem a discussão sobre a primazia entre a pessoa e o social. Devemos reconhecer que a pessoa humana tem um fim em sim mesma, que é absoluto e transcendente, porém, temos ao mesmo tempo, a importância da comunidade, do social onde estamos imersos.
Acredito que pessoas dos mais diversos matizes políticos, filosóficos e ideológicos agem impulsionadas pela boa-fé, ao defender o que entendem que é melhor para o indivíduo, porque isto posteriormente refletirá para o social como um todo, assim como vice-versa também tem sua repercussão. Pensando no todo, temos que numa concepção cristã de Estado, este deve ser administrador do bem comum pra o bem da nação. Aqui existem discussões e perigos porque, se for contrário a isso, esta transformação vai resultar da alienação da liberdade do povo nas mãos do poder do estado, o que é inaceitável, porque tira-nos a capacidade de escolhermos os caminhos que devemos trilhar.
Não há partido único, de qualquer dos lados, e nem pode haver. Isto é antidemocrático, por isto a importância da caridade na escuta do outro lado, de poder contradizer. É importante lembrar que o nosso sistema admite liberdade de debate, de diálogo, isto é, liberdade para discordar, ou não. Se não há essa liberdade, não há verdadeira representatividade democrática. Se não for assim, as decisões somente vêm, de fato, da cúpula do partido, e as eventuais discussões nas bases têm por objeto dar uma ilusão de participação de todos no processo.
Por isto que, antes das discussões de nossos posicionamentos, cabe o conselho de Paulo em 1ª Coríntios, 13, quando afirma que sem a caridade tudo é vazio e sem sentido. Porém, com ânimos acirrados nem sempre isso ocorre.
A sociedade cristã é constituída no amor, doação e sacrifício de si mesmo para o outro e isto podemos claramente retirar do Evangelho segundo São João 15,13: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos”.
Assim sendo, lembrando que todos os dons e graças vêm do Alto, peçamos ao Espírito Santo que, nesse Ano da Misericórdia, conceda às nossas famílias, à nossa sociedade, aos nossos políticos, aos nossos partidos, aos nossos governantes, em síntese, a todos os homens e mulheres de boa-vontade, o bálsamo da consolação, para que as pessoas tenham a serenidade de escutar umas às outras, na caridade e verdade, e que este mesmo bálsamo vindo do Consolador possa curar todas as mágoas, feridas e ressentimentos. E, dessa forma, possamos conquistar a estabilidade social, política, jurídica e econômica em defesa, principalmente, dos mais necessitados, sempre sob o signo da Cruz, afinal, nossa pátria definitiva é celeste, (Filipenses 3,20), da qual esperamos a volta do Senhor Jesus Cristo.