Santo Estêvão, primeiro mártir

    A liturgia da Igreja é sempre pedagógica. Nada é colocado ao acaso no calendário litúrgico. Celebrar Santo Estêvão imediatamente após a Solenidade do Natal do Senhor não é apenas uma coincidência histórica, mas uma profunda catequese espiritual. Ontem contemplávamos o Verbo feito carne, reclinado numa manjedoura; hoje, a Igreja nos apresenta um homem que entrega a própria vida por esse mesmo Verbo. O contraste é forte, mas profundamente verdadeiro: o Deus que nasce por amor encontra, já nos primeiros passos da Igreja, o testemunho de quem morre por amor a Ele.

    A primeira leitura, (At 6,8–10; 7,54–59), oferece-nos uma das páginas mais densas do Novo Testamento. Estêvão é descrito como “cheio de graça e poder” (At 6,8). Não se trata aqui de poder humano, político ou militar, mas da força que brota da intimidade com Deus. A graça não o isenta do conflito; ao contrário, o coloca no centro dele. A fé autêntica não nos afasta das tensões da história, mas nos insere nelas com a luz do Evangelho.

    Estêvão enfrenta homens “incapazes de resistir à sabedoria e ao Espírito com que ele falava” (At 6,10). A reação dos seus acusadores não é o diálogo, mas a violência. Este dado é extremamente atual. Quando a verdade não encontra acolhida, muitas vezes desperta agressividade. O martírio nasce, quase sempre, da incapacidade de escutar aquilo que desinstala. Como afirmou São João Paulo II, “o martírio é a prova suprema da verdade da fé cristã” (Veritatis Splendor, 91).

    O ponto culminante do relato é a visão do céu aberto. Estêvão vê “o Filho do Homem de pé, à direita de Deus” (At 7,56). Esta expressão é teologicamente riquíssima. Normalmente, a Escritura fala do Cristo “sentado” à direita do Pai, em sinal de glória e realeza. Aqui, Ele está de pé. Muitos Padres da Igreja interpretam este detalhe como o Cristo que se levanta para acolher o seu mártir, como um juiz que se ergue para defender o inocente, ou como um irmão que se coloca ao lado daquele que sofre por Ele. Não é um Cristo distante, mas solidário, participante do sofrimento do seu discípulo.

    As últimas palavras de Estêvão ecoam diretamente as palavras de Jesus na cruz. “Senhor Jesus, recebe o meu espírito” (At 7,59) recorda “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). E “Senhor, não lhes imputes este pecado” (At 7,60) retoma o clamor de Cristo: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Aqui está o núcleo do martírio cristão: não é apenas morrer por uma causa, mas morrer amando, morrer perdoando, morrer confiando.

    O Salmo responsorial (Sl 30/31) reforça esta atitude espiritual: “Em vossas mãos, Senhor, entrego o meu espírito”. Trata-se de um salmo de confiança absoluta, recitado por quem se sabe ameaçado, mas não abandonado. O mártir não é alguém que despreza a vida; pelo contrário, é alguém que a entrega porque sabe que ela está segura nas mãos de Deus. Como ensina o Catecismo da Igreja Católica, “o martírio é o testemunho supremo da verdade da fé: significa dar testemunho até à morte” (CIC, 2473).

    O Evangelho (Mt 10,17–22) aprofunda ainda mais esta perspectiva. Jesus não ilude os seus discípulos: “Sereis odiados por todos por causa do meu nome” (Mt 10,22). O seguimento de Cristo não é um caminho de facilidades, mas de fidelidade. Contudo, o Senhor acrescenta uma promessa fundamental: “Não sereis vós que falareis, mas o Espírito de vosso Pai é que falará em vós” (Mt 10,20). O mártir não é um herói solitário; é alguém conduzido pelo Espírito Santo. A coragem não nasce da autossuficiência, mas da docilidade à ação de Deus.

    Esta liturgia nos convida a rever uma compreensão muitas vezes superficial do Natal. O Natal não pode ser reduzido a um sentimento vago de fraternidade ou a uma celebração cultural. O Menino de Belém é o Cristo que exige decisão. Como escreveu Bento XVI, “o presépio já contém em si o mistério da cruz” (Jesus de Nazaré – A Infância de Jesus). Estêvão compreendeu isso profundamente. Por isso, sua morte não é um fracasso, mas uma vitória pascal.

    Há ainda um detalhe silencioso, mas significativo, no relato do martírio: a presença de Saulo, que “aprovava a morte de Estêvão” (At 8,1). A tradição cristã sempre viu aqui um sinal da fecundidade do martírio. O sangue de Estêvão não foi derramado em vão; ele se tornou semente. Tertuliano dirá, com razão: “O sangue dos mártires é semente de novos cristãos” (Apologeticum, 50). O futuro apóstolo Paulo, perseguidor da Igreja, é misteriosamente tocado por este testemunho extremo de fé e perdão.

    Para nós, hoje, esta liturgia é um apelo claro e exigente. Somos chamados a um testemunho que vá além das palavras. Em um mundo marcado pela intolerância, pela indiferença religiosa e, muitas vezes, pela hostilidade aberta à fé cristã, Santo Estêvão nos recorda que a Igreja cresce quando permanece fiel, não quando se acomoda. Talvez não sejamos chamados ao martírio de sangue, mas certamente somos convocados ao martírio cotidiano: da coerência ética, da fidelidade ao Evangelho, da caridade vivida sem concessões.

    Que esta celebração nos ajude a compreender que o Natal não termina no presépio, mas se prolonga no testemunho. Que Santo Estêvão interceda por nós, para que, fortalecidos pelo Espírito Santo, saibamos dar razões da nossa esperança (cf. 1Pd 3,15), mesmo quando isso nos custa. E que, sustentados pela liturgia da Igreja, aprendamos a entregar nossa vida, dia após dia, nas mãos daquele que por nós nasceu, morreu e ressuscitou.

    Vivamos, com grande júbilo, a oitava de Natal: “Não sereis vós que havereis de falar, mas sim o Espírito do vosso Pai”. Diante das incompreensões destes tempos difíceis devemos sempre voltar a manjedoura e contemplar o Deus Menino, o Príncipe da Paz!

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