Quaresma: tempo de Penitência

    Convertei-vos e crede no Evangelho! Eis agora o tempo favorável! São gritos que ecoam neste tempo quaresmal! Para essa caminhada somos chamados a práticas penitenciais. A eficácia da autêntica penitência, que é a conversão do coração a Deus, pode perder-se se cai na tentação, que não é só de épocas remotas, de tentar esquecer que o pecado é pessoal com repercussões sociais. Deus quer que o pecador se converta e viva, mas este deve cooperar com o arrependimento e com as obras de penitência. No seu sentido próprio e verdadeiro, o pecado – dizia São João Paulo II – “é sempre um ato da pessoa, porque é um ato de um homem, individualmente considerado, e não propriamente de um grupo ou de uma comunidade”.
    Descarregar o homem dessa responsabilidade seria obliterar a dignidade e a liberdade da pessoa, que também se revelam – se bem que negativa e desastrosamente – nessa responsabilidade pelo pecado cometido. Por isso, em todos e em cada um dos homens, não há nada tão pessoal e intransferível como o dom da virtude ou a responsabilidade da culpa.
    Assim, é uma graça do Senhor não deixarmos de arrepender-nos dos nossos pecados passados nem mascararmos os presentes, mesmo que não passem de imperfeições. Que também nós possamos dizer: Eu reconheço a minha iniquidade e o meu pecado está sempre à minha frente (Sl 50,5).
    É verdade que um dia confessamos as nossas culpas e o Senhor, pela voz do sacerdote, nos disse: “Vai e não tornes a pecar”. Mas os pecados deixam um vestígio na alma. “Perdoada a culpa, permanecem as relíquias do pecado, disposições causadas pelos atos anteriores, embora fiquem debilitadas e diminuídas, de maneira que não dominam o homem e permanecem mais em forma de disposição que de hábito”. Além disso, existem pecados e faltas que não chegamos a perceber por falta de espírito de exame, por falta de delicadeza de consciência… são como más raízes que ficaram na alma e que é necessário arrancar, mediante a penitência, para impedir que produzam frutos amargos.
    Muitos são os motivos que temos para fazer penitência neste tempo da Quaresma, e devemos concretizá-la em pequenas coisas: em mortificar os nossos gostos nas refeições, – em viver a abstinência que a Igreja manda, – em ser pontuais em vigiar a imaginação. E também em procurar, com o conselho do diretor espiritual, do confessor, outros sacrifícios de maior importância, que nos ajudem a purificar a alma e a reparar os pecados próprios e alheios.
    O pecado, embora seja sempre uma ofensa pessoal a Deus, não deixa de produzir efeitos nos demais homens. Para o bem ou para o mal, estamos sempre influindo naqueles que estão ao nosso lado, na Igreja e no mundo, e não apenas pelo bom ou mau exemplo que lhes damos ou pelos resultados diretos das nossas ações. Esta é a outra face daquela solidariedade que, em nível religioso, se desenvolve no profundo e magnífico mistério da Comunhão dos santos, graças à qual se pode dizer que cada alma que se eleva, eleva o mundo.
    O Senhor pede-nos que sejamos motivo de alegria e luz para toda a Igreja. No meio do nosso trabalho e das nossas tarefas, ser-nos-á de grande ajuda pensar nos outros, saber que somos apoio – também mediante a penitência – para todo o Corpo Místico de Cristo. Assim compreenderemos que a penitência é alegria, embora trabalhosa. E nos sentiremos unidos a todos os irmãos e irmãs penitentes que caminham na direção da Páscoa neste tempo de conversão.
    A penitência que o Senhor nos pede, como cristãos que vivem no meio do mundo, deve ser discreta, alegre, uma penitência que quer permanecer inadvertida, mas que não deixa de traduzir-se em atos concretos. Uma penitência que agrada muito a Deus é aquela que se manifesta em atos de caridade e que tende a facilitar aos outros o caminho que conduz a Deus, tornando-o mais amável. As nossas oferendas ao Senhor devem caracterizar-se pela caridade: saber pedir perdão àqueles a quem ofendemos; assumir plenamente o sacrifício que supõe cuidar da formação de alguém que está sob a nossa responsabilidade; ser pacientes; saber perdoar com prontidão e generosidade. A este respeito, nos diz São Leão Magno: “Ainda que sempre seja necessário aplicar-se à santificação do corpo, agora, sobretudo, durante os jejuns da Quaresma, deveis aperfeiçoar-vos pela prática de uma piedade mais ativa. Dai esmola, que é muito eficaz para nos corrigirmos das nossas faltas; mas perdoai também as ofensas e abandonai as queixas contra aqueles que vos fizeram algum mal” (São Leão Magno, Sermão 45- Sobre a Quaresma).
    Que a Bem-Aventurada Virgem Maria nos ajude nesta etapa de santificação que é o tempo quaresmal, o qual nos convida à conversão e a ter um coração completamente voltado para amar ainda mais a Deus e o próximo.