Pôr a prova

    É muito conhecida a passagem do Evangelho da multiplicação dos pães (João cap. 06), também relatada pelos outros evangelistas. Numa leitura rápida, e talvez superficial, destaca-se somente o sinal da multiplicação de cinco pães e dos dois peixes que foram capazes de alimentar uma multidão. É uma parte do conjunto dos ensinamentos, além disso os desdobramentos do fato provocam a sociedade.

    O pão é símbolo do alimento que mata a fome, seja ela física, interior, emocional, de paz, de unidade, etc. O ser humano tem, por primeira necessidade, matar a fome de cada dia. Saciar-se cotidianamente é possível porque existe a colaboração mútua, e ela é indispensável. Basta lembrar as necessidades não satisfeitas, algumas delas inclusive vitais, durante a greve dos caminhoneiros.

    O evangelista conta que uma multidão avança e Jesus provoca o discípulo Filipe. Como resolver o problema da fome daquelas pessoas? O texto bíblico afirma que a pergunta era “para pô-lo à prova, pois ele mesmo sabia muito bem o que ia fazer” (Jo 6,6). Resolver o problema da fome e das outras necessidades humanas é responsabilidade de quem? Ao envolver os discípulos que vão a campo para encontrar uma saída, fica explícito que a preocupação e a busca de soluções para os problemas da humanidade não podem ficar restritos a algumas pessoas, ou instituições, ou governos. Na verdade, cada um é responsável por todos e todos por cada um.

    A primeira proposta que Filipe apresenta é, simplesmente, uma quantidade de dinheiro que seria necessária para matar a fome naquele momento. Porém este dinheiro não estava disponível, não estava em suas mãos. Deu a entender que tendo dinheiro se resolve o problema da fome da humanidade.

    Outro discípulo, de nome André, vai busca de alguém que tivesse comida consigo e encontra um menino com cinco pães e dois peixes. Já é uma outra atitude, pois vai ao encontro das pessoas famintas e procura entre elas alguma saída. Vale o famoso adágio: “Ninguém é tão pobre que nada possa dar e ninguém é tão rico que não precise receber”.

    Foi a colaboração e o envolvimento dos necessitados que abriu o caminho a solução da fome. O menino, talvez ainda não contaminado pela ganância, abriu mão da sua refeição. Correu o risco de não se fartar e da incerteza do que viria pela frente. A atitude dele permitiu que fosse realizada uma grande partilha. Uma partilha, não voluntariosa, mas organizada. Jesus pediu as pessoas que se sentassem e se organizassem e somente depois o alimento fosse distribuído de forma organizada. O que foi feito indica a necessidade de planejamento. Uma nação com planejamento consegue incluir e repartir, e sem planejamento, somente os primeiros vão se fartar.

    É provocativa a seguinte ordem: “recolhei os pedaços que sobraram”. O que é desperdiçado fará falta para alguém. Não faltam estudos indicando a quantidade de alimentos que vão para o lixo. Para quem fica um pouco atento percebe facilmente que em qualquer festa, mesmo aquelas promovidas pelas nossas comunidades, ao final, uma boa parte do sagrado alimento é jogado fora. O que vai fora não me pertence, mas é de quem passa necessidade.

    Aquele que envolveu os discípulos, a multidão faminta, ensinou a repartir e a não desperdiçar é reconhecido, somente por alguns, como “aquele que deve vir ao mundo”. Outros não aprenderam esta lição e preferiram ver em Jesus um mágico, por isso Ele foge deles.

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