Outros estilos de vida

    O sexto e último capítulo da Carta Verde, a encíclica do papa Francisco que mostra ao homem a necessidade de maior sintonia e melhor relação com seu mundo, em especial seu planeta, é deveras surpreendente. Com muita sensibilidade aponta novos caminhos, em especial a necessidade de se buscar uma espiritualidade ecológica. O termo é novidade para muitos, mas não para aqueles que já experimentam em suas vidas uma sintonia maior com as maravilhas que nos cercam, atitude comum na vida dos maiores santos, portanto fonte de uma espiritualidade encarnada na realidade do mundo.
    Começa com um dedo na ferida, o consumismo que nos devora: “quanto mais vazio está o coração da pessoa, tanto mais necessita de objetos para comprar, possuir, consumir” (204). Essa voraz e competitiva necessidade de consumo, que assola as relações humanas, também devasta seu meio ambiente e sua espiritualidade. A obsessão por esse estilo de vida consumista tem nos trazido muitos dissabores. “Muitos estão cientes de que não basta o progresso atual e a mera acumulação de objetos ou prazeres para dar sentido e alegria ao coração humano, mas não se sentem capazes de renunciar àquilo que o mercado lhes oferece” (209). Tornamo-nos alvos preferenciais do mercado, sem regras, sem piedade, bombardeados que somos diuturnamente pela publicidade e apelos distantes muitas vezes da ética, da moral, da própria espiritualidade. Precisamos “recuperar os distintos níveis do equilíbrio ecológico: o interior consigo mesmo, o solidário com os outros, o natural com todos os seres vivos, o espiritual com Deus” (210). Então o papa aconselha: “o exercício destes comportamentos restitui-nos o sentimento da nossa dignidade, leva-nos a uma maior profundidade existencial, permite-nos experimentar que vale a pena a nossa passagem por este mundo” (212).
    Mas como se dará essa conversão? A fé cristã oferece pistas e exemplos. “A grande riqueza da espiritualidade cristã, proveniente de vinte séculos de experiências pessoais e comunitárias, constitui uma magnífica contribuição para o esforço de renovar a humanidade” (216). Não é mera presunção religiosa, mas experiência de respeito e gratidão à vida. “Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspecto secundário da experiência cristã, mas parte essencial duma existência virtuosa” (217). A conversão ecológica é também um princípio de vida comunitária. Parte do “reconhecimento de que Deus criou o mundo, inscrevendo nele uma ordem e um dinamismo que o ser humano não tem o direito de ignorar” (221). A espiritualidade cristã nos ensina que “a felicidade exige saber limitar algumas necessidades que nos entorpecem, permanecendo assim disponíveis para as múltiplas necessidades que a vida oferece” (223). É um desafio extensivo a todo homem de boa vontade. “Não é fácil desenvolver esta humildade sadia e uma sobriedade feliz, se nos tornamos autônomos, se excluímos Deus da nossa vida fazendo o nosso eu ocupar o seu lugar” (224).
    O cristianismo não exige a conversão global à sua fé para se salvar o mundo. “Na casa de meu Pai há muitas moradas”, já dizia Jesus. Mas alerta: “é necessário voltar a sentir que precisamos uns dos outros” (229). E lembra: “O universo desenvolve-se em Deus, que o preenche completamente” (233). “E isto, não porque as coisas limitadas do mundo sejam realmente divinas, mas porque o místico experimenta a ligação íntima que há entre Deus e todos os seres vivos” (234). Mas ao católico o papa adverte: a vida eucarística é sua fonte de renovação. “Assim, o dia do descanso, cujo centro é a Eucaristia, difunde a sua luz sobre a semana inteira e encoraja-nos a assumir o cuidado da natureza e dos pobres” (237). E convoca a todos para um desafio maior: “Estamos a caminhar para o sábado da eternidade, para a nova Jerusalém, para a casa comum do Céu. Diz-nos Jesus: ” (243). Com essa alegria e esperança, louvado seja Deus.