Na semana passada, tivemos as Assembleias dos Círculos Bíblicos em nossa Arquidiocese. Com o progredir da reflexão utilizando hoje a tradição da igreja da lectio divina, chamada no Brasil de leitura orante da Bíblia, eles fazem acontecer a presença geográfica nos territórios paroquiais da missão evangelizadora da Igreja. Ao escutar a Palavra de Deus, as histórias das pessoas se iluminam e, assim, os passos são dados.
A conversa de Jesus com os discípulos de Emaús pode ser mais um paradigma dessa reflexão. Jesus Cristo é a Palavra encarnada. Ele se torna presente entre nós. É sempre Ele quem dá início à conversa. Nesse episódio aparecem alguns pontos que podem estar presentes na leitura e na interpretação que fazemos da Bíblia Sagrada.
Jesus, a Palavra encarnada, o Verbo, cria um ambiente de conversa e, com muito jeito, faz os dois falarem sobre os problemas que eles estavam vivenciando naqueles dias. Na conversa aparece toda a realidade: a tristeza, o desânimo, a frustração dos dois, a sua falsa esperança de um messias glorioso, a incapacidade dos dois em crer nos pequenos sinais de esperança. (Lc 24, 13-24). É a Palavra que ilumina nossa história. É Jesus vivo entre nós que nos faz perceber o sentido dos acontecimentos.
Jesus usou as várias passagens correlatas da Bíblia para com elas interpretar os fatos da vida e animar os dois rapazes. Ao começarmos a falar sobre a Palavra proclamada que ilumina nossa história, logo vêm à memória outros trechos bíblicos. Jesus assim refletiu com eles. Junto com os dois, Ele soube encontrar aqueles textos de Moisés e dos profetas que pudessem trazer alguma luz para a situação de tristeza que os impregnava. (cf. Lc 24, 25-27). Assim acontece também em nossos encontros de círculos bíblicos, quando a Palavra ilumina a história iluminada pela Palavra. Passamos a ver a nossa história pessoal e comunitária iluminada e não mais uma história inventada para motivar – agora é o Verbo encarnado que nos motiva a reflexão.
Jesus andou com eles, conversou, criou um ambiente de abertura e teve a paciência de escutá-los. Falando da vida e da Bíblia, agradou tanto que o coração dos dois se esquentou, e eles chegaram a convidá-Lo para jantar. Ficou com eles, sentou à mesa, rezou com eles e fez a partilha do pão, como se tornou costume entre os cristãos que tinham tudo em comum. Jesus não só falou, mas colocou gestos bem concretos de amizade. Ora, tudo isto é o ambiente da comunidade, onde se procura viver como irmão. É aí que se faz a experiência da ressurreição, do Cristo vivo no meio de nós; a experiência de Javé, Deus libertador (cf. Lc 24, 28-32). Escutar a Palavra aquece o coração e nos faz missionários: os discípulos de Emaús, que estavam desanimados, retornam para encontrar os discípulos e continuar “o caminho”.
Os Círculos Bíblicos nasceram e se desenvolveram da necessidade de os católicos aprofundarem a Palavra de Deus, meditando esta Palavra e confrontando-a com a vida cotidiana. Temos muitos outros grupos de reflexão, de pastorais, de movimentos e outros que aprenderam que tudo o que fazemos deve se iniciar com a acolhida da Palavra de Deus em nossas vidas e nossa história, ou seja, a presença do Cristo Ressuscitado entre nós. Enfim, são pequenos grupos de pessoas que, ao redor da Palavra de Deus, refletem e rezam sobre a vida e missão.
Os Círculos Bíblicos são a presença da Igreja nas regiões geográficas das paróquias. As pessoas se reúnem nas casas sob a orientação de um coordenador, e devem sempre ser ligadas à Paróquia. Seu objetivo é fazer com que elas encontrem a vida em Cristo, se aproximem mais, sejam mais solidárias, se conheçam melhor, criando novas comunidades fraternas. A consequência é formar uma comunidade e uma presença de “Igreja” naquele local.
Sua finalidade volta-se para a reflexão, e, partindo de Cristo, Verbo eterno encarnado, chegamos a temas da vida atual colocados sob a forma de agir na visão de Jesus, ficando mais fácil ligar a vida atual de cada participante aos ensinamentos bíblicos. Levando-se em consideração que cada participante de um Grupo conhece bem sua própria vida, sua maneira de agir nas diferentes situações que se apresentam em seu dia a dia, torna-se possível que qualquer pessoa possa participar de um Círculo Bíblico, ou mesmo coordená-lo, sem ter grande conhecimento científico ou acadêmico, e pode ser de qualquer classe social. Basta conhecer Jesus e seu maior ensinamento: o Amor ao Pai e ao Próximo. Será sábio da sabedoria de Deus. Claro que isso supõe participação na comunidade paroquial e o desejo de se aprofundar cada vez mais.
Os temas semanais apresentados pelos Círculos Bíblicos, que, a pedido de nossa assembleia arquidiocesana que sugeriu o atual Plano de Pastoral tem uma equipe diocesana para orientar, levam a uma reflexão simples do Evangelho, aplicados aos fatos e atitudes do homem em relação à sua comunidade, à sua família e, principalmente, ao seu próprio relacionamento pessoal com Deus, hoje.
O Círculo Bíblico é essencialmente missionário. Pelo fato de ser realizado na residência de um paroquiano, este se sente à vontade para convidar algum vizinho ou parente que esteja um pouco afastado da Igreja ou do próprio Deus, e também pelo fato de seus componentes se reunirem fora do templo e atuarem fora do espaço comum da sede da comunidade. Os seus componentes são missionários da Palavra de Deus, pois levam-na para os lugares onde se reúnem: prédios, lares, locais de trabalho etc. Aliás, em tempos de tantas dificuldades para entrar a evangelização, como por exemplo, em alguns ambientes e condomínios, o Círculo Bíblico é uma maneira missionária de o católico atuar.
Convide os vizinhos de sua rua e reúna pequenos grupos. O primeiro encontro pode acontecer numa casa oferecida por alguém do Grupo. Os encontros seguintes são realizados em casas diferentes da mesma rua ou comunidade, para que todos possam ir se aproximando e se conhecendo melhor. Sugerimos em todas as Assembleias dos Círculos Bíblicos que eles se multipliquem em nossa Arquidiocese.
Ao longo do ano são aprofundados vários temas, conforme proposta da Igreja. As reuniões se desenvolvem através de uma oração inicial, a leitura do texto bíblico seguida de um aprofundamento com a troca dos sentimentos despertados em cada um dos participantes, e ainda experiências e momentos vividos que o texto rememoriza. Todos devem expor seus sentimentos, dúvidas, experiências. Não há monopólio da palavra, todos devem se manifestar, havendo entre todos carinho, cordialidade e respeito mútuo. Pode acontecer também algum estudo de situação concreta colocada para o Grupo. Após as preces de louvor e de agradecimento a Deus (iluminadas pela própria Palavra proclamada), pode-se encerrar com um pequeno ágape fraterno.
O Círculo Bíblico tem em sua dinâmica a leitura da Bíblia (lectio), a meditação sobre a Palavra, a reflexão sobre a vida iluminada por ela, a oração motivada pelo texto e a nova visão da vida e do mundo (contemplação) que nos leva a uma prática evangélica na vida de cada dia. No meio dessas reflexões, de rezar, de refletir, podemos também cantar, fazer perguntas, falar, ouvir, responder…
O Grupo que reflete junto vai descobrir na vida e na Bíblia muitas riquezas. Estas riquezas devem ser aplicadas na própria vida e na vida do grupo ou da comunidade. Não nos esqueçamos de que a Palavra de Deus é exigente e pede ação: “Felizes os que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática” (Mt 7,24). A Palavra é luz para os nossos passos!
Atrás dos textos bíblicos é possível perceber as múltiplas experiências espirituais do povo de Deus e, em especial, das primeiras comunidades cristãs. Uma mesma fé que produziu frutos bem diferentes.
A nossa gratidão a todos que trabalham nessa direção em nossa Arquidiocese. Sei que os encontros paroquiais de todos os Círculos Bíblicos, normalmente mensais, são de uma imensa riqueza. Que sejam uma presença evangelizadora em toda a nossa Arquidiocese. A unidade entre nós nos leva a uma missionariedade que deve dar frutos na vida e na caridade como Igreja presente nessa sociedade tão caótica e carente. Tantos têm essa necessidade de ouvir o Senhor que nos fala pela Palavra e ilumina nossas vidas.
Que o mês da Bíblia, que nos convida a ser discípulos missionários a partir do Evangelho de Mateus, nos leve a ir fazer discípulos e ensinar.