O Verbo se fez carne

    Chegamos ao Natal do Senhor! Nele se torna concreto o anúncio do Anjo Gabriel a Nossa Senhora: o Verbo se fez carne e habitou entre nós, como rezamos todos os dias no Angelus.
    Refletiremos sobre esse mistério do Natal do Senhor tendo por base o livro Iniciação Teológica, escrito por Dom Estêvão Bettencourt, OSB, da nossa Escola Mater Ecclesiae, publicado em 2013 (cf.pág. 136-142).
    A Igreja celebra, em 25 de março, a Anunciação do Anjo a Maria, conforme lemos em Lucas 1,26-38: a Virgem, sem deixar de ser virgem, concebeu por obra do Espírito Santo e deu à luz Jesus Cristo, o Filho de Deus feito Homem, sem deixar de ser Deus nem mutilar a natureza humana, por amor a nós. Ora, o que celebramos nove meses atrás, tempo decorrente de uma gravidez humana, se concretiza com o nascimento desse Menino em 25 de dezembro: é Natal!
    Deus é amor (1 Jo 4,8; Tt 3,4) e Se deu a nós, pessoas por Ele amadas, de modo sempre crescente: 1) na criação: Deus fez o ser humano à sua imagem e semelhança (Gn 1,26-28), estabelecendo, assim, a ordem natural; 2) Elevou esse mesmo ser humano à ordem sobrenatural pela filiação divina: somos filhos no Filho (Gl 4,5), como diz São Paulo e 3) na Encarnação, o próprio Deus-Filho, a segunda pessoa da Santíssima Trindade, se faz humano em tudo, menos no pecado, a fim de que a própria humanidade unida à divindade se tornasse instrumento de salvação. É um caso único na História e demonstra o amor de Deus por nós, no plano da fé, ainda que, no campo da razão, continue a ser loucura e escândalo (cf. 1 Cor 1,23).
    Tudo isso – o fato de Deus se fazer humano – sempre chamou a atenção do Povo de Deus por que: a) Deus não quis salvar a humanidade por via meramente psicológica ou jurídica, mas executar essa salvação sob a forma de recriação. O Filho de Deus assumiu tudo o que é essencial do ser humano e o divinizou. Ele é o grande Sacramento do Pai à humanidade. De modo que Dom Estêvão chega a escrever na fonte que estamos usando o seguinte: “por seu nascimento, sua adolescência, sua vida pública, sua morte e sua ressurreição Jesus deu novo sentido à existência do homem; fez uma nova criatura” (cf. 2 Cor 5,17); b) era a Encarnação do Verbo a melhor forma de nos incitar à prática do bem. Deus-Filho não se limitou a nos ensinar a fazer o bem, mas veio fazê-lo entre nós a fim de que víssemos e imitássemos o exemplo de sua vida santa; c) a Encarnação, concretizada no Natal, reaviva o valor da natureza humana e do mundo que nos cerca. “Deus amou tanto o mundo que nos deu seu Filho único…” (Jo 3,16). Somos e devemos sempre nos sentir amados e abraçados pela misericórdia divina.
    Deus quis se tornar humano sem deixar de ser Deus por causa do pecado do homem, como recitamos no Credo: “por nós homens e pela nossa salvação… encarnou-se”. A base desta afirmação se acha em Is 53,4; Jo 3,16,17; 1 Tm 1,15. Mais: o nome de Jesus significa Salvador (cf. Mt 1,21; Lc 1,31; 2,11). Só Deus pode nos salvar e nos fazer conhecê-Lo mediante a Sua própria revelação. Cristo veio a este mundo, livremente, a fim de nos salvar, e nossa salvação resulta em glória externa (a interna é sempre imutável, pois é completa) a Deus como um livro implica em alegria ao seu autor. Ele se torna humano para tornar-nos divinos. Foi uma culpa feliz a merecer-nos o Redentor.
    A Carta de São Paulo aos Gálatas (4,4) fala que Deus enviou seu Filho, nascido de mulher na plenitude dos tempos e isso pode levar a pensar que, no tempo da Encarnação, o mundo vivia o melhor momento possível da História, mas essa não é a realidade. Ao contrário, Deus escolheu o momento para a vinda de seu Filho quando o mundo estava envolto nas trevas do pecado (cf. Rm 1,16-32; 2,1-38; 3,9.23; Gl 3,22). Isso desperta a questão: por que esse paradoxo ou essa grande contradição? – Responde São Paulo que isso se deu para que nenhuma criatura se vanglorie diante de Deus (1Cor 1,29). A salvação recebida do Senhor é gratuita. Aliás, Deus não abandona o ser humano porque Ele é bom e não porque nós sejamos merecedores. Ele é o amor que nos amou primeiro (cf. 1 Jo 4,19).
    É um grande Kairós ou momento oportuno da graça divina para toda a humanidade, que sabe acolher o Filho de Deus feito homem por amor de nós. Isso implica em alegria de uma sadia celebração, na qual a Santa Missa esteja no centro de tudo, um espírito de partilha, seja do pouco ou do muito que temos em favor dos mais necessitados de nossos dias, da promoção da paz em todos os segmentos sociais do modo como podemos agir, dentro da lei e da ordem.
    O Natal é, sobretudo, a grande festa da Vida. Da vida humana tão ultrajada e maltratada nos nossos dias, desde o ventre materno até a idade anciã, passando pelos tantos homicídios que a cada dia são vistos nos noticiários diversos, bem como da vida sobrenatural, ou seja, da busca do renascimento interior em Cristo Jesus a cada dia.
    Na noite Santa do Natal, e durante todo o seu dia, estejamos unidos como Arquidiocese, também unidos como clero. Um abraço fraterno de gratidão aos queridos padres e diáconos. A todas as lideranças pastorais, em suas comunidades, meus agradecimentos. Aos seminaristas, aos religiosos e consagrados, a todos os agentes de pastoral e às famílias de todos os homens e mulheres de boa vontade nossos efusivos votos de feliz e santo Natal com Cristo!

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