O PULO DO GATO

                Dizem que todo bom mestre, por melhor que seja, não ensina tudo a seus alunos. Ilustra essa verdade o clássico conto popular da onça e o gato. Apesar das muitas desavenças entre eles, a onça estava sempre à espreita para aprender com o gato seus trejeitos e malandragens, sua agilidade ímpar durante a caça, que provocava até uma pontinha de inveja no felino maior. Propôs então a onça que o gato lhe ensinasse um pouco mais de sua astúcia.

                A oportunidade surgiu diante de um réptil descuidado. Qual dos dois o devoraria primeiro? – desafiou a onça. O gato não se deu por vencido e pulou primeiro sobre o ingênuo réptil. A onça não perdeu a oportunidade e pulou certeira sobre… sobre o gato. Matreiro, o gato pulou de banda e se safou da traição. Queixosa, a onça reclamou que aquele salto de lado não fizera parte dos ensinamentos do gato. Ao que o gato prontamente se justificou: “Nem tudo os mestres ensinam”.

                Assim vejo as chamadas manobras diplomáticas do mundo de hoje. Em especial quando nações se dividem em blocos de interesses comerciais, deixando de lado os interesses mais cruciais da comunidade humana, quais aqueles que dizem respeito à harmonia entre os povos, ao bem-estar mínimo que a dignidade da vida exige, o combate a toda e qualquer forma de miséria e fome, o respeito às liberdades políticas, culturais, religiosas, enfim, dar a todos a oportunidade de exercitar seu livre arbítrio, sem traições, sem intenções que não aquelas do bem comum.

                Quando um país como o Brasil se arvora como portador de todas as soluções para a emblemática relação entre os povos, está se fazendo de onça. Esquece que na hierarquia animal todos possuem artifícios e artimanhas próprias para vencerem na luta pela sobrevivência. O leão, paciente, mas astuto, se posta como rei. A pantera, ágil e veloz, é rainha em suas savanas. A águia – ah, a águia! – com seu voo silencioso e sua visão magnífica, não perde um lance sequer. Urubus, aos bandos, fazem da carnificina aqui de baixo seu grande banquete. Até as serpentes, sempre traiçoeiras, aplicam a política do subterfúgio, para aplicar seus golpes com perfeição! Esse é o mundo, essa é a guerra que travamos para nos manter vivos.

                O parentesco entre a onça e o gato não justifica uma relação de amizade entre eles. Nem de confiança. Nem de benefícios mútuos. A onça pensa ser superior ao gato. O gato desdenha dessa superioridade exibindo pequenas artimanhas. Mas – cada qual no seu mundo – são temidos e respeitados pelos que se julgam presas de sua cadeia alimentar. Essa é a triste realidade que nos cerca, quando somos forçados a uma relação de diplomacia falsa, hipócrita, de aparência, sem um aprendizado melhor partilhado, sem cartas na manga, interesses a longo prazo.

                Então faço as interrogações da lógica: Quais os interesses brasileiros quando nossa diplomacia passa a defender a posição de países e governantes contrários ao regime democrático aqui vigente? Por que a diferenciação de status entre os prisioneiros políticos daqui e os de fora? Por que essas posições ambivalentes, quando nossa História recente primou pela conquista lenta, suada, dolorosa até, de um regime que nos permite um pulo maior? Mesmo que leões, águias e urubus nos espreitem?

                Só queria entender. Mesmo assim, sei que essa oncinha pode dar com os burros na água. Talvez encontre seu bebedouro… Talvez se lembre que nasceu e cresceu seguindo os ensinamentos do Bom Mestre e este não lhe ocultou sua Sabedoria. Talvez ainda descubra que construir um mundo melhor depende do testemunho de fé de seu povo, não das ambições de seus políticos. Porque o maior dos presos políticos nunca se fechou ao diálogo, nem se prestou a contradições, mas ensinou dando a vida e se esgotando como fonte de toda verdade: “Se alguém tiver sede, venha a mim e beba”.

    20 anos de Palavras de Esperança. Publicado em 16 de março de 2010.

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