Na sequência da Semana da Pátria, o Rio Grande do Sul se mobiliza para a Semana Farroupilha. As palavras tradição, tradicionalistas, tradicionalismo ganham maior destaque nestes dias. Uma grande festa que acontece nos mais diferentes pontos do estado, mas que se estende a muitos outros lugares além das fronteiras gaúchas. Há manifestações de orgulho até análises muito críticas dos acontecimentos passados. Comemorações que mexem com todos os habitantes deste estado.
É um tempo de cultivar a tradição. A tradição é um meio de conservação de ideais, de valorizar experiências passadas de um povo, de transmitir valores culturais e espirituais para a geração presente. Isto é visibilizado nas mais diferentes manifestações folclóricas e culturais. A poesia, a música, os contos e as lendas contextualizados no meio físico e sociológico rio-grandense resgatam estes tempos.
Uma bela lenda que merece ser refletida é a do “Negrinho do Pastoreio”. Retomo parte dela, mas que merece ser lida integralmente. Diz a lenda que um rico estancieiro era extremamente mau. Só olhava para três viventes: o filho, o cavalo baio e para um pequeno escravo, sem nome, chamado Negrinho. “A este não deram padrinhos nem nome; por isso o Negrinho se dizia afilhado da Virgem, Senhora Nossa, que é a madrinha de quem não a tem.”
Um dia os vizinhos apostaram uma corrida de cavalo. O Negrinho montou o baio do estanceiro, mas perdeu. Por causa disso o estancieiro deu-lhe uma surra de relho e o colocou em castigo por trinta dias cuidando da tropilha de trinta tordilhos negros. Já sem forças e morto de fome o Negrinho cai no sono e a tropilha foge.
Novamente leva outra surra de relho e o estancieiro manda procurar a tropilha. “Rengueando, chorando e gemendo, O Negrinho pensou na sua madrinha Nossa Senhora e foi ao oratório da casa, tomou o coto de vela aceso em frente da imagem e saiu para o campo. … por onde o Negrinho ia passando, a vela benta ia pingando cera no chã: e de cada pingo nascia uma nova luz, e já eram tantas que clareavam tudo”. Recolheu a tropilha. E se riu. Adormeceu. Enquanto isso, o filho do estancieiro enxotou os cavalos.
Veio a terceira surra de relho e as suas carnes ficaram recortadas e o sangue correndo pelo seu corpo. “O Negrinho chamou pela Virgem sua madrinha e Senhora Nossa, deu um suspiro triste, que chorou no ar como uma música, e pareceu que morreu…” O estancieiro para não fazer uma cova atirou o corpo do Negrinho num grande formigueiro.
Por três noites, o estancieiro foi atormentado pelo mesmo sonho. Não conseguiu recuperar a tropilha e então resolveu voltar ao formigueiro. “Qual não foi o seu grande espanto, quando chegando perto, viu na boca do formigueiro o Negrinho de pé, com a pele lisa, perfeita, sacudindo de si as formigas que o cobriam ainda!… O Negrinho, de pé, e ali ao lado, o cavalo baio e ali junto, a tropilha dos trinta tordilhos… e fazendo-lhe frente, de guarda ao mesquinho, o estancieiro viu a madrinha dos que não a têm, viu a Virgem, Nossa Senhora, tão serena, pousada na terra, mas mostrando que estava no céu… Quando tal viu, o senhor caiu de joelhos diante do escravo”.
Uma bela lenda contextualizada na tradição rio-grandense e que faz refletir.