Nada mais oportuno que titular essa coluna com o nome do primeiro livro do poeta Vinícius de Moraes. Nascido há exatos cem anos (19 de outubro de l913) iniciou sua carreira literária aos vinte, com a publicação do título acima. Mal sabia ele que assim se iniciava um caminho que levaria seu nome a uma distância além dos seus 66 anos de muita boêmia, saraus intermináveis, brindes à efemeridade das coisas belas (mulheres em especial) e recorde em suas uniões conjugais, nove ao todo, das quais saia sempre com um sentimento de culpa imposto pela sua religiosidade e sensibilidade. Escritor, jornalista, compositor, dramaturgo e diplomata, foi, sobretudo, poeta.
Há em suas poesias a mística de uma alma eternamente apaixonada. Não propriamente pela vida – que levava com ironia e desdém, posto suas extravagâncias e abusos com a bebida, o cigarro, a vida noturna. Escreveu, um dia: “De manhã escureço/ de dia tardo/ de tarde anoiteço/ de noite ardo. A oeste a morte/ contra quem vivo/ Do sul cativo/ o este é meu norte”. Versos simples, mas com a sinceridade de quem conhecia a fundo o fim nada promissor de um lirismo ávido e sôfregas paixões. Sofria o mal dos poetas inveterados, a intensidade de uma vida que sua alma sempre sedenta não sabia mensurar e refrear… Por isso, há em seus poemas um quê de tristeza aliada a paixões mais que passageiras. Vejam “Garota de Ipanema”, uma nuvem que passou, uma pluma no ar, na areia… Ah, que coisa mais linda,exclamou.
Nada há de mais poético do que contemplar o belo. O poeta, aliás, é esse instrumento que aproxima o leitor de um mundo quase desconhecido para a grande maioria. “Quem de dentro de si não sai, vai morrer sem amar alguém”, escreveu um dia. Amante inveterado, buscava a fidelidade apenas momentaneamente, já que não se prendia e nem compreendia um “para sempre” conjugal. Externou essa dualidade em seu mais truncado e contraditório “Soneto de Fidelidade”. Percebam a contradição: “Eu possa me dizer do amor (que tive)/ Que não seja imortal, posto que é chama/ Mas que seja infinito enquanto dure”. Nada de fidelidade, tudo de instabilidade! Quase um grito de socorro de alguém perdido em um sentimentalismo sem âncoras.
Mas, no aspecto da amizade, Vinícius brandiu sinceridade de alma. Escreveu os mais complexos textos e belos poemas sobre um tema que conhecia bem. “Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos”. Verdadeiramente, os amigos (de copo ou boêmia, não importa) eram seu esteio, seu amparo nos momentos de solidão. Escreveu, ainda: “Mesmo que as pessoas mudem e suas vidas se reorganizem, os amigos devem ser amigos para sempre, mesmo que não tenham nada em comum, somente compartilhem as mesmas recordações…”
O poeta mais popular do Brasil nunca teve medo da morte. Só dos seus fantasmas, em especial a consciência de seus abusos. Deixou-nos um testamento eivado de fé. Escreveu: “Se eu morrer antes de você, faça-me um favor. Chore o quanto quiser, mas não brigue com Deus por Ele haver me levado… Se sentir saudade e quiser falar comigo, fale com Jesus e eu ouvirei. Espero estar com Ele o suficiente para continuar sendo útil a você, lá onde estiver. E se tiver vontade de escrever alguma coisa sobre mim, diga apenas uma frase: “Foi meu amigo, acreditou em mim e me quis mais perto de Deus”! Ai então derrame uma lágrima. Eu não estarei presente para enxugá-la, mas não faz mal. Outros amigos farão isso no meu lugar. E, vendo-me bem substituído, irei cuidar de minha nova tarefa no céu. Mas, de vez em quando, dê uma espiadinha na direção de Deus. Você não me verá, mas eu ficaria muito feliz vendo você olhar para Ele”. Esse era Vinícius. O poeta que, mesmo limitado, ensinou-nos com sabedoria que o caminho para Deus passa pela distância que eliminamos dentre nós.