O Calvário visto do Tabor

    A Quaresma é uma busca constante e concreta de Deus. As leituras do Segundo Domingo deste precioso tempo colocam-nos diante de uma realidade bela e profunda. Na primeira leitura, quando Deus pede a Abraão tudo quanto ele tinha: “teu filho único, Isaac, a quem tanto amas”. Isaac era tudo para Abraão: por ele, tinha deixado Ur na Caldéia, por ele, tinha esperado mais de trinta anos, por ele, tinha suportado todas as provas. E, agora, já idoso, sem nenhuma possibilidade de ter mais filhos, agora que o menino já está crescido e Abraão pensava poder descansar, Deus o pede a Abraão. A fé de Abraão, aqui, chega quase ao absurdo! Mas ele foi em frente confiando no Senhor. O Senhor nos pede coisas que não entendemos, mas Ele nos pode pedir, certamente, e nós devemos dar, com certeza, porque Ele mesmo, o nosso Deus, nos deu tudo! Ele, que pede que Abraão lhe sacrifique o filho único e amado, é o mesmo Deus que, como diz São Paulo na segunda leitura deste Segundo Domingo quaresmal, “não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós!” Eis o grande mistério: Deus, no seu amor por nós – primeiro pelo povo de Israel, descendência de Abraão, e, depois, por toda a humanidade com a qual Ele deseja formar o novo povo, que é a Igreja – Deus, no seu amor por nós, entregou à morte o seu Filho único, o Amado, o Justo e Santo, aquele no qual Ele coloca todo o seu bem-querer. Não é assim que Ele no-lo apresenta hoje no Monte Tabor? “Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz”! É este Filho que será entregue à morte. O Evangelho de São Lucas nos diz que, precisamente nesta ocasião, Jesus transfigurado falava com Moisés e Elias “sobre a sua partida, isto é, a sua morte, que iria se consumar em Jerusalém” (Lc 9,31).
    No Evangelho de São Marcos que escutamos, o próprio Jesus, ao descer da montanha, “ordenou que não contassem a ninguém o que tinham visto, até que o Filho do Homem tivesse ressuscitado dos mortos”. Sobre o Monte Tabor, com o Transfigurado envolto em glória, paira a sombra da paixão, da morte do Filho amado e único, que o Deus de Abraão entregará por nós até o fim. Ao filho de Abraão, a Isaac, Deus poupou no último momento; não poupará, contudo, o seu próprio Filho.
    Em Jesus se cumprem as promessas feitas aos antigos pais, o que a “Lei e os Profetas” disseram, agora representados por Elias e Moisés. Mas Ele nos pede também para que Ele seja tudo em nossa vida e não deixemos ninguém ocupar o Seu lugar. Para que tenhamos vida plena, Ele nos entregou o Seu próprio Filho para nossa salvação.
    A glória de Jesus no Tabor, antegozo da sua ressurreição, anima-nos e alenta-nos neste caminho quaresmal. Ao nos falar da oração, da penitência, da esmola, ao nos exortar ao combate aos vícios e à leitura espiritual, a Igreja, fazendo-nos contemplar o Transfigurado, revela-nos qual o objetivo da batalha da Quaresma: encontrar o Cristo cheio de glória e, com Ele, sermos glorificados. Olhemos o Tabor e veremos o que o Senhor preparou para nós! Pensemos no Tabor, e a penitência terá um sentido, as mortificações deste tempo serão feitas com alegria! Que diz o Evangelho? Diz que, diante dos apóstolos, Jesus transfigurou-se: “Suas roupas ficaram brilhantes e tão brancas como nenhuma lavadeira sobre a Terra poderia alvejar”.  A Transfiguração é uma profecia, uma antecipação da glória da Páscoa, e a Páscoa de Cristo é a garantia da nossa glorificação. Porque Cristo morreu e ressuscitou, nós também, mortos com Ele, seremos daquela multidão vestida de branco de que fala o Apocalipse (Ap 7,9). As observâncias da santa Quaresma não são um peso, mas um belo caminho, um belo instrumento para conduzir-nos à Páscoa do Senhor!
    A transfiguração de Jesus é uma catequese que revela aos discípulos e a nós Quem é Jesus: O Filho Amado de Deus! Em nossa caminhada para a Páscoa somos também convidados a subir com Jesus a montanha e, na companhia dos três discípulos, viver a alegria da comunhão com Ele. As dificuldades da caminhada não podem nos desanimar. No meio dos conflitos, o Pai nos mostra desde já sinais da Ressurreição, e do alto daquele monte Ele continua a nos gritar: “Este é o Meu Filho Amado, escutai-O”. Não desanimemos diante das dificuldades! Os Planos de Deus não conduzem ao fracasso, mas à Ressurreição, à vida definitiva, à felicidade sem fim!
    Esta centelha da glória divina inundou os Apóstolos de uma felicidade tão grande que fez Pedro exclamar: “Senhor, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas”! Pedro quer prolongar a situação! O que é bom, o que importa, não é estar aqui ou ali, mas estar sempre com Cristo, em qualquer parte, e vê-Lo por trás das circunstâncias em que nos encontramos. Se estivermos com Ele, tanto faz que estejamos rodeados dos maiores consolos do mundo ou prostrados na cama de um hospital, padecendo dores terríveis. O que importa é somente isto: vê-Lo e viver sempre com Ele! Esta é a única coisa verdadeiramente boa e importante na vida presente e na próxima. Desejo ver-Te, Senhor, e procurarei o Teu rosto nas circunstâncias habituais da minha vida!
    Nós devemos encontrar esse Jesus na nossa vida corrente, no meio do trabalho, na rua, nos que nos rodeiam, na oração, quando nos perdoa no Sacramento da Penitência (Confissão), na Sagrada Escritura, na Eucaristia onde se encontra verdadeira, real e substancialmente presente. Devemos aprender a descobri-Lo nas coisas ordinárias, correntes, fugindo da tentação de desejar o extraordinário.
    Não podemos ficar no Monte… de braços cruzados… O seguidor de Cristo deve descer do monte para enfrentar o mundo e os problemas dos homens! Somos convidados a ser Missionários da Transfiguração!