O Anno Domini de 2025: A Barca de Pedro entre o Luto e a Esperança

    Ao aproximarmo-nos do ocaso deste ano da graça de 2025, o coração da Igreja, pulsando em uníssono com a Liturgia, convida-nos a um exercício de profunda anamnese espiritual. Hoje, 28 de dezembro, Domingo da Sagrada Família, enquanto em Roma se procede ao rito de fechamento da Porta Santa na Basílica Papal de São Paulo Fora dos Muros, concluindo o fechamento das portas santas das basílicas maiores (que ocorreu nos dois dias anteriores, Santa Maria Maior e São João de Latrão), com exceção da de São Pedro no Vaticano que será fechada no próximo dia 6 de janeiro, somos impelidos a lançar um olhar retrospectivo sobre este Jubileu Ordinário, que certamente figurará nos anais da História Eclesiástica como um dos mais singulares dos tempos modernos. Neste domingo se encerra o jubileu da esperança em todas as igrejas diocesanas com celebrações solenes nas catedrais.

    Não seria exagero afirmar que o “Jubileu da Esperança”, convocado pela Bula Spes Non Confundit do saudoso Papa Francisco, cumpriu a sua missão de forma dramática e providencial. A esperança, virtude teologal que nos ancora no futuro de Deus, não é um otimismo estéril forjado na ausência de dificuldades; ao contrário, é na fornalha da provação que ela revela o seu ouro mais puro. E que provação vivemos neste ano!

    1. A Páscoa de Francisco e o Testemunho da Esperança

     

    A Páscoa de 2025 ficará indelevelmente marcada pela páscoa pessoal do Papa Francisco. O Pontífice que, com a sua voz rouca e gestos de ternura, incansavelmente nos exortou a sermos “peregrinos de esperança”, foi chamado à Casa do Pai no dia 21 de abril, em plena Oitava da Páscoa. Aquele momento de orfandade, em que a Sede Vacante se impôs no auge das celebrações jubilares, poderia ter sido um golpe desestabilizador para a barca de Pedro. O mundo, atônito, observou o funeral de um Papa reinante durante um Ano Santo, evento raríssimo, que nos remete à complexidade histórica dos séculos passados.

    Contudo, o que se viu não foi o desespero, mas a substância da fé católica. As filas intermináveis de peregrinos que vieram a Roma para lucrar a indulgência jubilar transformaram-se, espontaneamente, em filas de oração e sufrágio. A Porta Santa da Basílica de São Pedro, por onde milhões passaram buscando a reconciliação, tornou-se, naqueles dias de abril, o símbolo da passagem definitiva que todos haveremos de cruzar. Francisco pregou a esperança até ao fim, e o seu trânsito foi o selo final do seu magistério: a certeza de que a misericórdia de Deus é a última palavra sobre a história humana.

     

    1. O Conclave e a Eleição de Leão XIV: A Continuidade Petrina

     

    Se a morte de um Papa num ano jubilar foi a prova da nossa fé, o Conclave de maio foi a manifestação da vitalidade perene da Igreja. Sob a ação do Espírito Paráclito, o Colégio Cardinalício deu ao mundo e à Igreja o Papa Leão XIV.

    A escolha do nome “Leão”, ausente da sucessão petrina há mais de um século, desde o grande Leão XIII, ressoou como um toque de clarim. Se Francisco foi o Papa da misericórdia e das periferias, Leão XIV despontou, desde a sua primeira bênção Urbi et Orbi, como o Papa da defesa da Fé e da Doutrina Social, num mundo ameaçado pelo relativismo moral e pelas novas colonizações ideológicas. A continuidade petrina, longe de ser uma repetição monótona, é uma sinfonia onde cada Sumo Pontífice toca uma nota distinta, necessária para a harmonia do tempo presente.

    A imagem do novo Santo Padre, ajoelhado na Porta Santa, assumindo o báculo do Jubileu que o seu predecessor havia iniciado, foi um ícone poderoso da unidade eclesial. A Igreja não parou. O Ano Santo não foi interrompido. A graça não foi suspensa. Pelo contrário, o Jubileu ganhou uma nova densidade: a esperança renovou-se na confirmação da fé.

    III. São Paulo Fora dos Muros: O Significado do Fechamento

     

    Hoje, o olhar da catolicidade voltou-se para a Via Ostiense. O fechamento da Porta Santa na Basílica de São Paulo Fora dos Muros encerra o ciclo das aberturas e fechamentos das basílicas maiores, preparando-nos para o grande final na Epifania.

    Há um simbolismo profundo no facto de esta ser a última porta a fechar-se antes da de São Pedro. Paulo é o Apóstolo das Gentes, aquele que levou a esperança de Cristo para além dos confins de Israel, abraçando a universalidade das culturas. A sua Basílica guarda a memória do seu martírio, o testemunho supremo da esperança que não teme a espada nem a morte.

    Ao fechar esta porta, a Igreja diz ao mundo: o tempo extraordinário de graça do Jubileu está a findar, mas a missão “em saída”, a missão paulina, deve continuar com vigor redobrado. As graças recebidas neste ano, e foram muitas, basta olharmos para os confessionários das nossas paróquias no Rio de Janeiro e em todo o Brasil, não são um tesouro para ser enterrado, mas um talento para ser multiplicado.

    O fechamento da Porta Santa não é um ato de exclusão, mas de envio. A porta física fecha-se para que o cristão, agora renovado pela indulgência e pelos sacramentos, se torne ele mesmo uma “porta” aberta para os irmãos. Como nos recordou o Papa Leão XIV na sua recente Encíclica sobre a eclesiologia de comunhão, cada batizado deve ser um “sacramento de esperança” num mundo dilacerado por guerras e incertezas.

    1. Balanço Espiritual: A Cidade de Deus e a Cidade dos Homens

     

    Ao fazermos o balanço deste ano de 2025, não podemos ignorar as sombras que pairam sobre a “cidade dos homens”. Guerras, injustiças sociais, insegurança, narrativas torpes, a crise climática e ética continuam a desafiar a nossa consciência. No entanto, o Jubileu mostrou-nos que a “Cidade de Deus” cresce silenciosamente no meio de nós.

    Vimos jovens redescobrindo a adoração Eucarística; vimos famílias peregrinando com sacrifício; vimos o Sacramento da Reconciliação ser procurado com uma sede que muitos sociólogos julgavam extinta. O Jubileu da Esperança provou que o homem pós-moderno, saturado de tecnologia e vazio de sentido, ainda tem sede de Infinito.

    Neste Rio de Janeiro, que acolheu com generosidade os reflexos deste ano jubilar, testemunhamos a fé do nosso povo simples, que subiu a Penha, que lotou a Catedral, que fez das suas comunidades verdadeiros cenáculos de oração pelo Papa falecido e pelo novo Papa eleito. A nossa Arquidiocese sai deste ano mais madura, mais consciente da sua identidade romana e apostólica, e mais confiante na Divina Providência. Neste dia mais de 70 jovens foram apresentados para iniciar etapas em nossos seminários Menor, Propedêutico e Maior que se juntam aos que já caminham na formação.

    A Porta Santa da Basílica de São Paulo Fora dos Muros fechou-se hoje. Em nossa Catedral concluímos o ano santo das 21 igrejas de nossa Arquidiocese. Em breve, na Epifania, o Papa Leão XIV fechará a Porta de São Pedro, selando oficialmente o Jubileu. Mas a verdadeira porta, aquela da qual o Cristo nos falou — “Eu sou a porta” (Jo 10,9) —, essa permanece eternamente aberta.

    Que a memória deste ano singular, onde a dor do luto se misturou com a alegria da eleição, permaneça como um farol para os anos vindouros. Que saibamos honrar o legado de Francisco através da caridade e obedecer ao magistério de Leão XIV através da fidelidade à verdade.

    Caminhemos, pois, não mais como quem procura, mas como quem encontrou. E que a Virgem Maria, Mãe da Esperança e Estrela da Evangelização, continue a guiar a Igreja de Seu Filho, hoje e sempre.

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