Neste início de 2021, procurei dar um mergulho em Deus, por ocasião do nosso retiro, o qual poderia ter sido bem melhor, se não fosse minhas limitações, a partir do bem-aventurado Charles de Foucauld. Fomos desafiados a beber, nos dias 5, 6 e 7, da inesgotável fonte de água da Galileia, precisamente aquela imprescindível água cristalina de Nazaré, onde encontra-se a vida oculta do Filho de Deus, envolvendo-nos todos nós no ministério. Com a consciência de que a espiritualidade de Nazaré é a do silêncio, do abandono e do mergulho em Deus. É a espiritualidade da transfiguração de quem quer descer, de verdade, do Monte Tabor, depois do batismo nas águas santificadas do Jordão, sendo conduzido, em seguida, ao deserto. É o ser humano que se encontra consigo mesmo, num passeio profundo pela montanha do seu próprio coração. Ele jamais pode perder de vista o mistério de Nazaré.
O livro Francisco de Assis e Charles de Foucauld, do bispo franciscano Dom Beto Breis, muito tem me ajudado neste início de ano. A despeito da figura humana de Charles de Foucauld, na sua condição limitada e pecadora, dominado pelas paixões transitórias do mundo, ao mesmo tempo acolhendo a graça de Deus em seu interior, o autor se apoia no primeiro biógrafo, René Basin, colocando-nos o seu milagre da alma como esplendor dos olhos, como absoluto, soberano e irrefutável, aproximando-se de Francisco de Assis. Também para se compreender o místico Charles de Foucauld, ele encontra o auxílio de François Six, deixando claro em Padre de Foucauld “um Francisco de Assis para os nossos tempos”, sem esquecer o homem radicalmente humilde e pobre, numa vida a encantar milhares de irmãos, intimamente próximo do Poverello di Assisi, bem de acordo com o Evangelho, em Camillo Deleaux.
Grande é a graça, enorme, sem igual para o mundo, com Charles de Foucauld, canonizado pelo Papa Francisco, na Liturgia de Pentecostes de 2021, tudo a partir de Jesus de Nazaré, ao fazer-se em tudo semelhante aos irmãos, para se tornar um sumo sacerdote misericordioso e digno de confiança nas coisas referentes a Deus, a fim de expiar os pecados do povo (cf. Hb 2, 17). Encanta-nos o fascínio das referidas criaturas humanas, vendo nelas a face terna e afável de Deus, tornando-as inexorável e radicalmente humanas, como nas palavras do escritor: “Dois homens de tempos tão distantes entre si, mas que se aproximam, de modo extraordinário, de um encanto comum: o fascínio pelo mistério da encarnação e o modo apaixonado e terno a seguir os passos daquele que, sendo Deus, assumiu nossa humana fragilidade”.
“A cada um de nós foi dada a graça na medida do dom de Cristo” (cf. Ef 4, 7). Em Cristo, segundo sua vontade, no seu projeto de amor, se concede o presente da graça para cada batizado, realizando, de um modo progressivo e passo a passo, nele uma mudança, transformando-o em “nova criatura”. Que Francisco de Assis e Charles de Foucauld nos façam compreender melhor a loucura do mundo, como na compreensão profética de Dom Helder Câmara: “Quando os problemas se tornam absurdos, os desafios se tornam apaixonantes”. Assim seja!