Continuando nossas reflexões sobre o profeta Miquéias, livro que somos convidados a aprofundar neste Mês da Bíblia, e consultando livros que nos orientam nesse aprofundamento, entre os quais o próprio texto base para este mês, somos conduzidos a discernir a atualidade das palavras do profeta.
Miquéias é um dos chamados “profetas menores”, classificação atribuída aos doze últimos livros da seção dos profetas na Bíblia Hebraica. Embora possa parecer pejorativa ao leitor iniciante da Bíblia, a nomenclatura é devida à extensão dos relatos e não à importância dos autores ou à sua posição no cânon. O estudo de qualquer dos profetas menores deve considerar uma unidade implícita entre eles. Os livros não estão unidos apenas pelo propósito básico de comunicar um tipo específico de informação. Essa unidade pode ser vista em termos de circunstâncias, estruturas, temas e mesmo personagens. Enfatizando que na Bíblia Hebraica os doze aparecem unidos.
No primeiro versículo do livro, Miquéias é denominado “morastita”, que quer dizer que ele era natural da pequena cidade de Moresete, situada a sudoeste de Jerusalém. Além do nome e do local de nascimento, não há no relato mais informações explícitas sobre a pessoa de Miquéias. Contudo, o conteúdo, a linguagem e o estilo da profecia sugerem que mesmo que não fosse um sacerdote ou profeta reconhecido, Miquéias era, no mínimo, digno de ser ouvido. Isso se confirma pela referência explícita que Jeremias faz ao impacto da mensagem de Miquéias sobre o rei Ezequias e todo o povo de Judá (em Jeremias 26,18-19).
De forma geral, o contexto no qual os profetas exerceram sua atividade foi marcado por transtornos militares, políticos, sociais, econômicos e religiosos sem precedentes. Além disso, a infidelidade e o desrespeito em relação à “aliança” alcançaram níveis que fariam Moisés cobrir o rosto com o véu, nesse caso, devido à vergonha. A iniquidade generalizada estava, em períodos recorrentes, acompanhada pela idolatria.
De forma específica, além de enfrentar tais questões, Miquéias lida com a perversão gananciosa da adoração, injustiça social, falsos profetas, sacerdotes corruptos e com a depravação da justiça, que se tornaram comuns tanto em Judá quanto em Israel no período do profeta. Como a situação pode ter chegado a tal ponto?
Os livros chamados proféticos contêm desde exortações, discursos e visões a lamentos, testemunhos e sentenças que, em geral, foram proferidos pelos profetas antes de serem escritos. Inicialmente, a memória do profeta ou de seus assistentes era a única forma de preservação das palavras que compunham a mensagem profética. Ao decidirem perpetuar suas palavras em uma forma escrita, os profetas e seus assistentes usaram recursos literários em função das características, do objetivo e da importância da mensagem.
O capítulo 2º de Miquéias vai trabalhar três temáticas: contra os usurpadores, o profeta da desgraça e promessas de restauração. Este capítulo começa com um “ai”, que indica a maldição e castigo. O profeta denuncia um grupo que está acumulando terras. Na visão do profeta, o roubo é um projeto pensado: “Ai daqueles que, deitados na cama, ficam planejando a injustiça e tramando o mal” (Mq 2,1 a). Eles planejam e executam porque têm o poder nas mãos.
Contra os usurpadores (2,1-5) – a cobiça e o roubo de terras são praticados pelo grupo do poder, os construtores de Jerusalém e seus aliados fazendeiros. Com a política de expansão do rei Ezequias, os governantes necessitam de mais terras e produtos para o comércio, exportação e lucro. Os grandes, então, estão articulando a “grilagem” em grande escala, sobretudo na planície de Shefelá – a terra de Miquéias, a região mais fértil e produtiva do país. Eles não respeitam mais o direito de propriedade familiar e tribal, baseada nas leis da herança: a terra dos antepassados serve para a vida familiar e comunitária dos camponeses e não se vende (1 Rs 21). “Assim oprimem ao varão e à sua casa, ao homem e à sua herança” (Mq 2,2).
O profeta da desgraça (2,6-11) – Os acusados rejeitam a denúncia e tentam calar a voz do profeta: “Não profetizem, não profetizem essas coisas! A desgraça não cairá sobre nós” (Mq 2,6). O termo “profetizar”, nataph em hebraico, significa: gotejar, escorrer, pingar. Para os acusados, Miquéias está falando nada mais que bobagens. As acusações do profeta são um insulto, pois eles se sentem fiéis a Deus oficial e eles acreditam que Deus está do lado deles. Miquéias responde a eles dizendo: “São vocês os inimigos do meu povo: de cima da túnica, arrancam o manto de quem vive tranquilo ao voltar da guerra. Vocês expulsam da felicidade da casa as mulheres do meu povo, e tiram dos seus filhos a dignidade que eu lhes tinha dado para sempre” (Mq 2,8-9).
Promessas de restauração (2,12-13) – a imagem que temos nestes dois versículos é do pastoril; o rei pode ser o maioral; as ovelhas constituem um rebanho compacto e ruidoso, elas saem do aprisco em direção a pastagens escolhidas. Nesta saída para o campo aberto, existe aí uma alusão ao êxodo.
Portanto, ao olhar para este capítulo de Miquéias, podemos aprender que, enquanto escolhidos pelo Senhor, temos que denunciar as injustiças e anunciar a misericórdia e a justiça.