Se existir uma devoção mística capaz de preencher todas as carências e sensibilidades, anseios e necessidades, temores e audácias do animal que somos, essa figura tem um nome: mãe. Não há, em toda e qualquer estrutura humana de formação ou simples sobrevivência de um indivíduo, elemento mais importante e com funções tão bem definidas do que a figura materna. Nem biológica, nem psicológica, nem espiritualmente falando. Mãe é tudo; protetora, formadora, conselheira, companheira… Mãe é desafio, incentivo. Alegria nas vitórias, tristeza nas quedas, lenitivos nas dores, solidariedade sempre. É vida!
Por isso mesmo, a vida espiritual do ser carente e conflituoso que caracteriza o humano seria órfã sem a figura materna. Todas as religiões exaltam, de uma forma ou outra, a importância mística da maternidade. Jesus nos deu Maria. Seu significado e importância na vivência espiritual do cristão é o que de mais precioso herdamos durante o processo da obra redentora do Filho gerado – e não criado – como fruto bendito de um ventre feminino. Se neste coube tamanho milagre, quando o Criador se fez criatura, imaginem quantos mais caberiam em seu colo de amor infinito? A mãe de Cristo, por mérito e lógica da fraternidade que é centro da identidade cristã, tornou-se natural e consequentemente a mãe de todos o que se dizem irmãos em Cristo. Ou não? Discordar dessa lógica é negar a doutrina que nos faz irmãos.
Por isso, as manifestações marianas ao longo desses dois milênios de fé cristã é prova de que o zelo maternal de Maria cumpre seu papel. Não há em qualquer quadrante desse mundo terreno onde chegou a mística cristã, país, povo ou comunidade que não possua uma devoção mariana sob títulos dos mais diversos e representativos. Da misericórdia ao bom conselho. Da rosa mística à coroa das tristes chagas. Desatadora dos nós à rainha dos céus, estrela da manhã, lume da esperança. O ébano negro da África nos trouxe um de seus mais recentes títulos: Nossa Senhora do Dízimo, como a nos lembrar a triste negritude dos continentes que não partilham um pouco mais de suas riquezas ou ignoram a função santa da dimensão social da nossa fé. Mas ao povo brasileiro restou o título mais singelo, a revelar aquela que simplesmente apareceu entre nós, emergiu negra em sua concepção venerável, que se cobriu com o manto azul das estrelas e da abóboda do nosso céu abençoado pelo cruzeiro que aqui resplandece. Aparecida… aquela que se revelou e repetiu entre nós o milagre da pesca abundante. A mãe a nos ensinar o ofício do filho, a nos desafiar como Ele: “Lançai novamente as redes”!
Trezentos anos depois, aqui estamos. Relembrar esses fatos não pode ser apenas um momento comemorativo, um episódio histórico que tomou conta de nosso povo e fez da nossa mãe morena a padroeira da nação, a rainha da nossa fé cabocla, ainda adolescente em seu compromisso missionário. Ainda somos um povo carente de maturidade evangélica e, como tal, necessitado da proteção materna da Senhora de Aparecida, bem como da proteção sempre maternal da Santa Madre Igreja, esta que exerce a função de Maria entre nós. Quem vê Maria com o respeito e a admiração que devotamos às nossas mães, reconhece também a autoridade da mãe Igreja… Porque em ambas, Maria e Igreja, o que resplandece por primeiro é a doutrina do Mestre, para a qual tanto a Mãe quanto a Igreja ainda nos ensinam: “Fazei tudo o que Ele vos disser”! Trezentos anos não é nada. Estamos ainda engatinhando em nossa devoção. Mas esta dá ao mundo as provas de nosso respeito e admiração. A Maria devotamos o maior santuário mariano do mundo. Tijolo por tijolo, estamos construindo uma mística de gratidão materna que não se vê com tanta intensidade quanto aqui devotamos. Prova de amor e gratidão. Prova de fé, como bem cantamos nesta data: “Solidários no sacrário, missionários queremos ser. Pequenina, restaurada, a sua imagem nos ensinou a ser um povo que não sabe esmorecer”.