Não queria estar na pele de Jesus quando uma multidão o cercou furiosa, curiosa e até mesmo esperançosa em dele receber alguma atenção. Era tanta gente que Ele, discípulos e familiares sequer podiam entrar na casa que os abrigava. Os próprios “parentes de Jesus saíram para agarrá-lo, porque diziam que estava fora de si” (Mc 3,21). Os que o perseguiam para incriminá-lo por injúria ou blasfêmia contra a ordem e a lei, não tinham dúvidas: Ele estava possuído por um demônio! A confusão era geral. Alguns buscavam cura para seus males, outros provas para silenciar as esclarecedoras revelações daquele Mestre sem diploma algum. Através de Belzebu é que expulsava a corja satânica, diziam seus inimigos.
Pode um reino destruir-se a si próprio, satanás ir contra si mesmo? “Se um reino se divide contra si mesmo, ele não poderá manter-se”, afirmou categoricamente o próprio Cristo. Da mesma forma uma família que se divide. Não se sustentará por muito tempo. Da mesma forma aquele que conduz sua fé e esperança no lastro indestrutível da família trinitária, fonte de todo o bem que possamos desejar ou merecer em vida. Não. Quem é de Deus nunca será vencido por Satanás. “Mas quem blasfemar contra o Espírito Santo…” Oh, coitado! Esse nunca será salvo. Eis o pecado sem perdão. A falta mais grave daquele que ouve a palavra, percebe a presença divina em sua vida, recebe uma revelação de fé, um sopro do Espírito… e se nega a aceitar a verdade que se abre à sua frente, em sua vida. Aqui o homem se autodestrói, por conta e risco de sua arrogância, de se achar senhor e diretor de si próprio. Triste realidade dos tempos modernos, a negação da fé!
Mas se existe o pecado sem perdão, existe também o perdão sem limites! A misericórdia de Deus é infinita e vai além da nossa compreensão. Atribuir uma possessão demoníaca à fala e ação de Jesus, é ignorância pura, posto que a multidão que a fé cristã atrai ao redor de seu Mestre é maior e mais diversa do que imaginamos ou contabilizamos em nossos átrios de fé. “Quando for levantado da terra, atrairei todos a mim”, disse um dia, referindo-se à sua morte de cruz. Essa atração diversa é a seara da ação de Deus no mundo. O Evangelho aqui citado nos mostra essa diversidade de público e o detalhe de que nem a própria família e seus discípulos mais fiéis compreenderam a dimensão do Reino por Ele anunciado. Por isso o consideraram um demente, um louco varrido! Por isso Jesus os alertou contra o perigo do pecado sem perdão. E conclamou a todos a abrirem mente e coração ao grande apelo que ali lhes fazia: tomarem parte na família trinitária, a grande família de Deus que constitui seu povo eleito. “Aqui estão minha mãe e meus irmãos. Quem faz a vontade de Deus…” (Mc 3,34-35), faz parte da família de Jesus neste mundo.
O convite é desafiador. Se quisermos afastar de nosso caminho a sedução destrutiva do Inimigo, aquele que se julga poderoso, senhor desse mundo, é preciso fazer parte da família cristã. Reconhecer sua origem divina, seu Pai, sua Mãe, seus irmãos… Inserir-se nessa casa de Deus no mundo, sua Igreja, seu Povo escolhido! Deixar-se purificar nas águas do Batismo, no sangue do Cordeiro. Alimentar seu Espírito com a verdade de suas Palavras, lembrando sempre que o Pão não é tudo, mas “toda a Palavra que sai da boca de Deus”… E esta, quem nos fala é Jesus. Então, sim: “esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”. Palavra da salvação.