Ao retornar a Cafarnaum, já em casa, Jesus indagou a seus discípulos o que tinham discutido pelo caminho. Eles se calaram porque haviam debatido entre eles quem haveria de ter o primado no novo reino messiânico, quem era o maior entre eles. O tema então ventilado por estes discípulos de Jesus era uma fuga, pois não queriam aprofundar o que antes o Mestre lhes havia dito sobre seus sofrimentos antes de entrar na sua glória. Eles estavam mais preocupados em avaliar as vantagens que poderiam tirar de sua adesão a Cristo. Como bem observou o teólogo Patrick de Varax, os evangelistas, poderiam ter evitado descer a este detalhe bem humilhante para os apóstolos. O Espírito Santo, porém, quis que esta narrativa fosse feita a fim de atrair a atenção dos seguidores de Cristo através dos tempos para um aspecto importante da vida espiritual. Com efeito, a exemplo daqueles epígonos do Redentor muitos seriam aqueles que encontrariam dificuldade de se entregar inteiramente a Deus, procurando não a glória divina, mas o seu próprio interesse. Outrossim, ou querendo ser mais do que os outros, ou fazendo o julgamento daqueles com quem convive, se mostrando assim superior a todos. São Tiago alertou: “Onde há rivalidade, se encontra a desordem todas as coisas más” (Tg 3,16). Quando alguém se deixa enclausurar nesta espiral de comparação, rapidamente, abre as portas ao veneno da inveja com todo seu cortejo de malefícios. Tudo fruto da soberba. Jesus, porém, deixou sua lição: “Quem quiser ser o primeiro, seja o último de todos e o servo de todos” A verdadeira grandeza é não se julgar mais do que os outros. Jesus não pregava uma atitude de humilhação, de subserviência, mas de verdadeira humildade. Esta virtude conduz ao serviço do próximo. Cristo estava a doutrinar o devotamento, a gratuidade, o interesse pelos outros. Daí o seu gesto profético colocando uma criança no meio dos discípulos, salientando justamente brandura, singeleza, acolhimento. Acentuou inclusive que quem acolhesse alguém em seu nome era a Ele que estava acolhendo. Quando, contudo, alguém quer ser o maior, não tem condições de abrigar, nem mesmo uma criança que mais precisa de atenção, de cuidado. No discurso de Jesus o menino era uma parábola viva. De fato se deve acolher uma criança não pelos seus méritos, mas simplesmente pela sua necessidade de amparo, de orientação, de sábia e prudente correção. É este acolhimento, porém, que ele quer para todos os irmãos na fé por mais insignificante que ele possa parecer. O Pai enviou seu Filho dileto a este mundo e Jesus encaminha a cada um aqueles que estão a seu derredor. Através do próximo se chega a Jesus e de Jesus se remonta ao Pai. Eis aí a cascata do acolhimento resultado da humildade. Trata-se da vivência cristã que só se consegue através de uma superabundante bondade interior que esparge benevolência e afabilidade sobre todos e até sobre os ingratos. Não se julgando mais importante que os outros o caridoso que contempla Jesus no próximo tende a condoer-se e a ser compreensivo e multiplica atos de clemência. Deste modo, a benignidade identifica o autêntico cristão. Esse com sua presença e seu comportamento sabe levar a serenidade a todos que dele se aproximam. Tem sempre gestos que fascinam e suscitam amizade, cordialidade. Manso e humilde de coração como o Mestre divino, com tato e persuasão, sabe introduzir aqueles que estão em seu derredor na prática das mais valiosas virtudes. Atrai pela cortesia, pela polidez, pela civilidade. Tudo isto traduzindo sua longanimidade, refletindo o divino Redentor por toda parte. Por não se estimar mais perfeito do que os irmãos e irmãs da mesma comunidade, entrega-se à tarefa de realizar em si mesmo os valores espirituais e vai crescendo dia a dia na santidade de vida. Comunica então aos outros a alegria que brota da ordem que reina em seu interior, Aplaina para o próximo o caminho da concórdia pacifica e alimenta a unidade caritativa. Quem cultiva o acolhimento e a humildade é também sempre veraz e sabe manter a coerência entre o que pensa, diz e faz. A singeleza de suas palavras e ações estampam aquela serenidade que deve caracterizar quem coloca em prática as lições de Jesus. Por tudo isto a discrição refulge em sua vida. Sabe reconhecer as qualidades que Deus lhe outorgou para cultivá-las a bem próprio e alheio. Torna-se magnânimo-liberal reinando dentro de seu coração a mais profunda humildade e atribui toda boa ação que faz à graça de Deus e se reconhece pobre e que sua grandeza vem de Jesus. Vai, assim, gradualmente, chegando à medida da estatura completa de Cristo (Ef.4,13). * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.