Há exatos dez anos, o sempre lembrado e saudoso Papa Francisco nos presenteava com um dos documentos mais proféticos e transformadores de seu Pontificado: a Carta Encíclica Laudato si’, sobre o cuidado da casa comum. Publicada em 24 de maio de 2015, ela se revelou um marco não apenas para a doutrina social da Igreja, mas para toda a humanidade, que atravessa tempos de urgência climática e degradação ambiental.
Inspirado no Cântico das Criaturas de São Francisco de Assis, o Papa nos convida a louvar a Deus pela criação, mas também a reconhecer os danos que estamos infligindo a ela e às gerações futuras. É um chamado à conversão ecológica, expressão que, ao longo desta década, se tornou um apelo central à consciência cristã.
Ao longo desses dez anos, vimos crescer, dentro e fora da Igreja, uma sensibilidade nova. Em muitos lugares, surgiram iniciativas inspiradas pela encíclica: projetos de educação ambiental em escolas católicas, campanhas de reflorestamento, políticas diocesanas de sustentabilidade e até esforços conjuntos com outras religiões e instituições civis. A semente plantada pelo Santo Padre germinou em muitos corações e comunidades.
A Carta Encíclica Laudato si’ nos recorda que tudo está interligado. A crise ecológica não é separada da crise social. O mesmo sistema que explora a natureza também marginaliza os pobres. O cuidado com o meio ambiente passa, necessariamente, pelo cuidado com o ser humano. Não há ecologia sem justiça social, não há futuro sem solidariedade e responsabilidade compartilhada.
Vivemos em um mundo que muitas vezes se move ao ritmo da indiferença. O consumismo desenfreado, a cultura do descarte, a idolatria do progresso técnico sem limites — tudo isso nos distancia do projeto de Deus para a criação. A encíclica nos ensina a ver o mundo com os olhos do Criador, a amar cada ser criado como parte de uma grande família cósmica.
Neste décimo aniversário, somos chamados a renovar nosso compromisso. Que nossas dioceses, paróquias, comunidades eclesiais de base e pastorais acolham, com mais profundidade, os ensinamentos da Carta Encíclica Laudato si’. Que sejamos ousados na formação de novos estilos de vida, simples e sustentáveis, como expressão concreta da nossa fé e do testemunho cristão no mundo.
O Papa Francisco nos convoca a uma “espiritualidade ecológica”, enraizada na gratidão e na sobriedade, aberta à admiração e contemplação da beleza da criação. Essa espiritualidade não se restringe a práticas devocionais, mas se traduz em escolhas cotidianas: no modo como consumimos, como tratamos o lixo, como utilizamos os recursos naturais.
A conversão ecológica é também comunitária. Não se trata apenas de atitudes individuais, mas de um novo modo de viver em sociedade. É preciso questionar modelos econômicos predatórios, resistir à cultura do descarte, fomentar políticas públicas que respeitem o meio ambiente e promovam o bem comum.
Nesse percurso, o papel dos leigos e leigas é fundamental. São eles que, nos mais diversos contextos, podem testemunhar um novo estilo de vida e influenciar positivamente suas famílias, ambientes de trabalho, escolas e comunidades. A Carta Encíclica Laudato si’ reforça a vocação batismal de cada cristão a ser fermento de transformação no mundo.
Também os consagrados e consagradas, com seu testemunho de simplicidade e comunhão, têm muito a contribuir para essa ecologia integral. Assim como os presbíteros, diáconos, bispos e lideranças pastorais, chamados a integrar esse cuidado com a criação à ação evangelizadora da Igreja.
A juventude é protagonista nesta missão. Os jovens, com sua criatividade, paixão e ousadia, têm encabeçado movimentos por justiça climática e práticas de vida sustentável. A Igreja precisa caminhar com eles, escutá-los e dar espaço para que liderem iniciativas inspiradas na encíclica.
Na vida litúrgica da Igreja, a dimensão ecológica também pode se manifestar. Liturgias que valorizem os elementos naturais, tempos litúrgicos que favoreçam a reflexão sobre a criação, festas patronais que promovam o cuidado ambiental — tudo isso contribui para uma espiritualidade enraizada na realidade e comprometida com a vida.
A formação permanente do clero e dos agentes de pastoral deve incluir os princípios da Carta Encíclica Laudato si’. Não como um conteúdo teórico, mas como parte da vida espiritual e do discernimento pastoral. O cuidado com a criação não é um tema lateral, mas expressão concreta do amor cristão.
A Carta Encíclica também nos convida ao diálogo com as ciências, com outras religiões, com o mundo da política e da economia. Trata-se de uma proposta de encontro e convergência em torno de valores fundamentais: a dignidade da vida, o respeito à criação, a responsabilidade intergeracional, a justiça e a paz.
Que este décimo aniversário seja, para a Igreja no Brasil e no mundo, um tempo de renovação. Que cada comunidade se pergunte: de que forma estamos cuidando da nossa casa comum? Quais mudanças somos chamados a realizar? Como podemos testemunhar, com mais coerência, o Evangelho da criação?
Que o Espírito Santo nos conduza nesta caminhada. Que Maria, Mãe da Igreja e Rainha da Criação, interceda por nós. Que São Francisco de Assis continue nos inspirando com sua vida de pobreza, humildade e amor universal.
E que a Carta Encíclica Laudato si’, mesmo uma década depois, continue ressoando em nossos corações como um cântico de esperança, de responsabilidade e de compromisso cristão com a vida em plenitude para todos.