Jubileu de ouro da visita de São Josemaria Escrivá no Brasil

    Neste ano de 2024, especialmente nos meses de maio e junho, se comemora o jubileu de ouro da visita que São Josemaria Escrivá de Balaguer (1902-1975), fundador do Opus Dei (Obra de Deus, em português), fez ao Brasil. Associando-me a esta comemoração jubilar, desejo rememorar um pouco da história do santo, de sua obra, do que os Papas disseram sobre este santo e sua Obra, as palavras do próprio São Josemaria. A Obra tem muitos membros e admiradores no Brasil, incluindo três centros masculinos e três femininos na nossa querida Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro. Um dos nossos bispos auxiliares pertence a essa espiritualidade e exerce sua missão em vários aspectos pastorais em nossa arquidiocese.
    Josemaria, nascido em Barbastro, Espanha, é filho do casal José e Dolores. Teve mais quatro irmãs – das quais três faleceram criança, e a que sobreviveu, Cármen, muito o ajudou na sua fundação, o Opus Dei, era, por isso, chamada pelos primeiros membros da instituição de “Tia Cármen” – e um irmão, de nome Santiago. Todos de forte formação católica. Com a mudança dos pais do futuro santo para Logroño, após a falência da fábrica de tecido que possuíam, o menino começa a perceber o chamado do Senhor para uma vida totalmente entregue a Ele. Entra, então, no seminário de Saragoça e aí, no tempo livre, cursa, por recomendação do pai, também a faculdade de Direito. É ordenado sacerdote no dia 28 de março de 1928 e designado para atuar em uma comunidade rural da própria diocese de Saragoça. No ano de 1927, com anuência de seu bispo, transfere-se para Madri a fim de obter o doutorado em Direito. É em Madri que, no ano de 1928, em um retiro espiritual, sem dar maiores detalhes, afirma ter visto a missão que Deus lhe inspirara. Sem deixar as funções já assumidas, passa a trabalhar incansavelmente a fim de que tal inspiração se concretize.
    Cabe, aqui, citar o então Cardeal Albino Luciani, futuro Papa João Paulo I († 1978), a descrever o estilo assaz dedicado de São Josemaria Escrivá: “Não perdia um minuto de tempo. Na Espanha, antes e depois da Guerra Civil, passava das palestras dadas a universitários à cozinha, a limpar o chão, a fazer as camas, a atender doentes. ‘Eu tenho na minha consciência – com orgulho o digo – o ter dedicado muitas, muitas milhares de horas a confessar crianças nos bairros pobres de Madri. Vinham com o ranho até à boca. Era preciso começar por lhes limpar o nariz antes de lhes limpar um pouco aquelas pobres almas’. Assim deixou escrito, demonstrando que ‘o sorriso diário’ o vivia na realidade. Também escreveu: ‘ia para a cama morto de cansaço. Ao levantar-me, ainda cansado, de manhã, dizia para comigo: ‘Josemaria, antes de almoçar dormirás um pouco’. E quando saía para a rua, acrescentava contemplando o panorama de trabalho que lhe caía em cima naquele dia: ‘Josemaria, enganei-te outra vez’” (Gazzettino, Veneza, 25/07/1978).
    A Guerra Civil Espanhola, iniciada em 1936, o faz deixar Madri e refugiar-se em diversos locais e aí exercer, de modo clandestino, o seu ministério sacerdotal. Findada, porém, a Guerra, volta, em 1939, a Madri e, entre as pregações de muitos retiros e demais atividades apostólicas, conclui, nesse mesmo ano, seu doutorado em Direito. Em 1946, muda-se para Roma. Na Cidade Eterna, torna-se doutor em Teologia pela universidade Lateranense, recebe do Papa Pio XII o título de monsenhor e atua, como consultor, na Sagrada Congregação de Seminários e Universidades e na Comissão Pontifícia para a autêntica interpretação do Código de Direito Canônico. Acompanha, ao mesmo tempo, com vivo interesse, o desenrolar do Concílio Vaticano II (1962-1965) e, sobretudo na década de 1970, faz grandes viagens pelo mundo a fim de ver, in loco, a Obra que fundara por meio do contato direto com seus membros e amigos de todas as procedências. Sim, conforme asseverou o Papa São João Paulo II, no dia 6 de outubro de 2002, data da canonização de São Josemaria, é preciso difundir “na sociedade, sem distinção de raça, classe, cultura ou idade, a consciência de que todos estamos chamados à santidade”.
    Eis porque, no ano de 1974, no contexto dessas viagens de apostolado, ele esteve, por 17 dias – de 22 de maio a 7 de junho – no Brasil. Ficou, segundo hoje se lê em suas falas daqueles dias, encantado com o nosso país. Afinal, há aqui um povo bom e muito acolhedor. Dizia, então, São Josemaria: “Faz pouco mais de quarenta e oito horas que estou aqui e já aprendi muito. Aprendi que este país é um país maravilhoso, que há almas ardentes, que há pessoas que valem um tesouro diante de Deus nosso Senhor; que vocês sabem trabalhar e mexer-se; que sabem formar famílias numerosas, recebendo os filhos como o que são, um dom de Deus…”. E mais adiante: “Tanta terra e tão fecunda, tão formosa! Eu creio que as vossas almas são como esta terra: aqui tudo é generoso, tudo é abundante; os frutos deste país são mais doces, mais fragrantes… E, depois, vocês têm os braços abertos a todo o mundo: aqui não há distinções. Poderíamos repetir palavras da Escritura: gentes de todos os povos aqui encontram a Pátria, uma Pátria amadíssima. Eu já me sinto brasileiro… Meus filhos, tenho um grande remorso; não ter vindo antes ao Brasil” (Pe. Francisco Faus. https://opusdei.org/pt-br/article/sao-josemaria-escriva-no-brasil/).
    Por certo, não deixou de tratar das questões religiosas e sociais do Brasil, questões que ainda hoje nos desafiam. Propôs também que os brasileiros sejam exemplos de empenho e santidade a todo o mundo. Sigamos suas palavras: “No Brasil há muito a fazer, porque há pessoas necessitadas até das coisas mais elementares. Não só de instrução religiosa – há tantos sem batizar –, como também de elementos de cultura comum. Temos de promovê-los de tal maneira que não haja ninguém sem trabalho, que não haja um ancião que se preocupe porque esteja mal assistido, que não haja um doente que se encontre abandonado, que não haja ninguém com fome e sede de justiça, e que não saiba o valor do sofrimento”. Como era, 2 de junho, Solenidade de Pentecostes, reforçava: “Vocês têm que fazer sobrenaturalmente o que fazem naturalmente; e depois, levar esse empenho de caridade, de fraternidade, de compreensão, de amor, de espírito cristão a todos os povos da terra. Entendo que o povo brasileiro é e será um grande povo missionário, um grande povo de Deus, e que vocês saberão cantar as grandezas do Senhor por toda a terra” (idem).
    Cerca de um ano depois de ter regressado a Roma, São Josemaria faleceu, de modo repentino, em 26 de junho de 1975, e teve, logo em seguida, o surgimento espontâneo de numerosos pedidos para a abertura do seu Processo de Canonização junto a relatos de graças recebidas de Deus por sua intercessão. E os pedidos foram atendidos pela Santa Sé. Abriu-se o Processo e, seguidos os seus trâmites normais, em 17 de maio de 1992, o Papa São João Paulo II o beatifica, em Roma, e, em 6 de outubro de 2002, na mesma Cidade Eterna, o proclama santo; ou seja, os fiéis de todo o mundo podem lhe prestar culto de veneração, como cabe aos santos, santas e anjos. É o exemplo de São Josemaria Escrivá oficialmente estendido, pela mãe Igreja, a toda a terra. Cumpre notar que cada santo tem, dentre tantas, uma marca muito especial, marca que o caracteriza no Corpo Místico de Cristo. O fundador do Opus Dei, nas palavras de São João Paulo II por ocasião de sua canonização, é o santo do cotidiano ou do dia a dia: “São Josemaria foi escolhido pelo Senhor para anunciar a vocação universal à santidade e mostrar que a vida de todos os dias e a atividade corriqueira são caminho de santificação. Podemos dizer que foi o santo do cotidiano. De fato, estava convencido de que, para quem vive sob a ótica da fé, todas as coisas são ocasião de um encontro com Deus, todas se tornam um estímulo para a oração. Visto desta forma, a vida cotidiana revela uma grandeza insuspeitada. A santidade apresenta-se verdadeiramente ao alcance de todos”.
    Uma vez, conhecido sucintamente São Josemaria Escrivá, coloquemos em destaque alguns traços da instituição que fundou, o Opus Dei (a Obra de Deus), nome que não foi o santo quem inventou, mas nasceu da sugestão de terceiros, pois, na linguagem do Evangelho (cf. Lc 6,44), o fruto dá a conhecer a árvore da qual veio. É uma instituição respectivamente jovem – completará o seu primeiro centenário em 2028 – na história duas vezes milenar da Igreja; portanto, ainda passível de ajustes, não no essencial, mas no acidental. Todavia, importa frisar que o Opus Dei serviu, serve e servirá como caminho de santidade a não poucos leigos – homens e mulheres casados ou celibatários – e sacerdotes incardinados à Prelazia ou mesmo diocesanos que a ela se ligam por meio da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz.
    É, sem dúvida, uma instituição muito fiel à Igreja, por ser algo de Deus e não do fundador, como dizia o então Cardeal Joseph Ratzinger, futuro Papa Bento XVI († 2022), na homilia da Missa em ação de graças pela beatificação de São Josemaria, na basílica dos Doze Apóstolos, no dia 19 de maio de 1992: “A sua fundação chama-se Opus Dei, não Opus nostrum. Não queria criar a sua obra, a obra de Josemaria Escrivá: não pretendia fazer um monumento a si mesmo. A minha doutrina não é minha, podia e queria dizer segundo Cristo, em identificação com Ele (cf. Jo 7,16): não queria fazer a sua vontade, mas dar lugar a Deus, para que fizesse a Sua Obra. Seguramente era consciente também do que Jesus nos diz no Evangelho de São João: ‘A obra de Deus é que acrediteis’ (Jo 6,29), quer dizer, darmo-nos a Deus para que possa atuar através de nós”.
    Já em um prospecto da Obra, lemos, em suma, como ela se define e o que propõe: “O Opus Dei é uma instituição da Igreja Católica, cuja missão é promover, entre pessoas de todas as classes da sociedade, a mensagem do chamado universal à santidade, isto é, que todos os cristãos são chamados por Deus à plenitude da vida cristã, no exercício de seu trabalho, na vida familiar, nas relações sociais e em todo o amplo panorama das atividades humanas. O Opus Dei pretende ajudar as pessoas que vivem e trabalham no meio do mundo a levar uma vida plenamente cristã, coerente com a fé, sem modificar o seu modo normal de vida, o seu trabalho cotidiano, as suas aspirações e anseios. […] Para fazer parte da Obra, se requer uma vocação, um chamado pessoal de Deus para assumir o compromisso de dedicar toda a vida a Ele no meio do mundo, difundindo a mensagem da chamada universal à santidade”.
    E segue: “O fato de uma pessoa incorporar-se ao Opus Dei não altera as suas condições familiares, profissionais e sociais. Muda, porém, a maneira de considerar essas mesmas realidades, que passam a ser vistas como uma ocasião de serviço, um meio para se aproximar de Deus e também ajudar os outros a fazê-lo. Os fiéis do Opus Dei vivem a sua vocação de uma maneira natural, sem exibir nem esconder a sua vinculação à instituição. A sua vida diária e o seu apostolado são o autêntico reflexo do seu compromisso de servir a Deus e aos seus semelhantes. […] O plano de vida espiritual que se sugere no Opus Dei é composto de práticas de piedade muito difundidas na Igreja. Está centrado na Missa diária, na comunhão sacramental e confissão frequentes, bem como na leitura do Evangelho e de outros textos de caráter espiritual; na recitação do Terço e em momentos dedicados à oração pessoal. Esse plano adapta-se perfeitamente às circunstâncias da vida profissional e familiar de qualquer pessoa”.
    Louvando a Deus pelo jubileu de ouro da presença física de São Josemaría Escrivá no Brasil, peço ao Senhor que abençoe a Obra e os seus membros e concluir com as recentes e claras palavras do Santo Padre, o Papa Francisco sobre esta instituição da Igreja Católica: “Sou um grande amigo do Opus Dei, amo muito o povo do Opus Dei e eles trabalham bem na Igreja. O bem que eles fazem é muito grande” (ACI Digital, 21/12/2022, on-line).

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