Guardar a Palavra

                Judas (não o traidor) pergunta a Jesus: “Senhor, como se explica que tu te manifestas a nós e não ao mundo?” (João 14, 22) Esta pergunta introduz os ensinamentos de Jesus e dos textos bíblicos do domingo (Atos 15, 1-2.22-29; Apocalipse 21,10-23 e João 14,23-29). A impressão de Judas parece que se confirma na resposta que recebe. O que não é verdade, pois no interrogatório de condenação à morte, Jesus disse que “falou abertamente ao mundo” (João 18,20). O contexto da resposta de Jesus situa-se próximo da sua morte, ressurreição e ascensão ao céu. A presença física seria interrompida e, de agora em diante, uma nova presença se iniciava. Os discípulos vão vivenciar e sentir a nova presença de Deus e o mundo vai ter dificuldades de compreendê-la. Muitos até dirão que Deus está ausente, mas os discípulos dirão que Deus está com eles.

                Jesus fala de três formas de presença e de relação com os discípulos:  pelo amor, o Espírito Santo e a paz. “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada”. O vínculo de perfeição entre o discípulo e Jesus é o amor. Amar é relação livre e consciente, portanto nunca é relação forçada. Em outro momento, logo a seguir, Jesus afirma: “Já não vos chamo de servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai” (Jo 15,15). O mundo em geral não sabe o que Jesus disse, por isso terá dificuldades de amar. Diz o ditado popular “ninguém ama o que não conhece”.

                Amar é mais que sentimento. É um modo de viver. O cristão vive a partir das palavras de Jesus, isto é, “guardará a minha palavra”. O vocábulo guardar tem mais de um significado, por exemplo: ter (alguém ou alguma coisa) em sua guarda; conservar (alguma coisa) para o fim que se destina, conter, encerrar. Certamente, o sentido dado por Jesus não é simplesmente saber os mandamentos, mas que estes influenciam no modo de viver de quem os guarda. Amam como Jesus amou a Deus e o próximo.

    Com isto se estabelece uma relação vital entre quem ensinou e quem acolheu a palavra. É uma relação familiar, “viremos e faremos nele a nossa morada”. Normalmente, nas casas moram pessoas que tem vínculos profundos. O discípulo tem Deus na sua casa como alguém que participa da sua vida cotidiana, portanto não é inquilino que alugou uma peça e nem visita, pois, o vínculo é o amor. A comunhão que se estabeleceu é fundamentada em três ações: amar-guardar-morar.

    “Mas, o Defensor, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos recordará tudo o que vos tenho dito”. É a segunda forma do discípulo sentir a presença de Deus. Com o passar dos anos a Palavra de Jesus pode ser esquecida, enfraquecida e deturpada. O amor nasceu e se mantém pela Palavra acolhida. Sendo assim, esta Palavra de Deus não se pode transformar em palavra humana. Segundo Jesus, quem garante a autenticidade da Palavra é o Espírito Santo que ensinará e recordará o que Ele fez e falou.

    Os discípulos experimentaram a segurança da presença física de Cristo e que estavam prestes a não ter mais. Esta profunda mudança vai causar-lhes perturbação. Jesus, porém, lhes garante: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo”. Eles haviam experimentado a plenitude de vida, a paz com Jesus. Esta não será perdida pois Deus lhes veio ao encontro, fez morada neles e enviou o Espírito Santo.

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