“Naquele dia, ao cair da tarde…”. Assim Marcos inicia sua bela narrativa evangélica da tempestade que se abateu sobre as embarcações que faziam uma travessia “para o outro lado”, a outra praia daquele oceano de muitas ondas e ventanias inesperadas. A tarde caia, o dia se fazia noite, a escuridão tomava conta! Naquele tempo, naquele dia somente? Não há como negar a atualidade espantosa, mas também reconfortante desse e de todos os demais episódios que constituem as narrativas bíblicas sobre a vida de Jesus, bem como a grande maioria dos episódios que a Bíblia nos apresenta. Ontem, hoje e sempre Deus agiu, age e agirá em nossa história.
O que nos sobra é o mistério da outra margem, o outro lado dessa travessia em meio a ondas às vezes serenas, mas também traiçoeiras; as brisas refrescantes, favoráveis em muitas circunstâncias, contrárias e avassaladoras em outras. Essa é nossa travessia, nossa única e real viagem neste mundo. Essa é a história que escrevemos dia a dia, ano a ano, geração a geração. Enfrentamos riscos, desafios circunstanciais, medo muitas vezes, mas também o prazer da vitória, do cenário sempre cativante, do desafio a vencer com méritos pessoais, mesmo que nossos olhos contemplem Jesus e o acusem de dormir nos momentos críticos dessa travessia. Dormindo ou não, Ele está em nosso meio, no mesmo barco!
Exatamente essa constatação da presença de Deus é a maior revelação num momento tempestuoso e assustador que a vida possa nos oferecer. Deus sempre esteve e ainda está presente na história humana. Ah, Ele está dormindo! – dizem muitos. Ou apenas descansa enquanto põe à prova nossa fé, nossa capacidade de enfrentar os perigos e desafios e alcançar o outro lado dessa história levando conosco tão precioso tripulante? Eis um fato, algo que ainda não percebemos: Em meio às provações de uma travessia nada fácil Jesus viaja conosco, confia em nós, em nossa capacidade de vencer, alcançar soluções e finalizar essa história com júbilos de uma esperança sempre imortal.
Mas, se de tudo o que vemos acontecer sobre nossas frágeis embarcações, a esperança definhar, se os paliativos que nos restam nessa travessia ainda se apresentarem ineficazes e primários, ainda nos resta o clamor ao ilustre passageiro: “Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?” (Mc 4-38). Essa é a dinâmica da oração, a força redentora e libertadora que o mundo está deixando de lado e por isso sucumbe em sua prepotência. Essa é a mais triste verdade dos fatos que nos põem à prova e assustam o mundo com a voraz decadência da espiritualidade humana. Deixamos de praticar o poder da oração! Deixamos de usar a maior e mais eficaz das vacinas contra nossa integridade, seja esta física ou espiritual, pois que a oração é virtude dos vivos e dos mortos, comunhão humana e angelical com Aquele que nos colocou neste barco.
Então muitos se perguntam: mas quem é Ele? Eis a verdade que buscamos, a realidade que deixamos de enxergar. Só Deus nessa causa. Só uma força sobrenatural é capaz de silenciar os vendavais e acalmar as ondas tempestuosas dos dias nebulosos, das borrascas existenciais que nos amedrontam e nos põem a pique diante de muitos mistérios. Só agora, quando as águas do mar da vida chegam ao nariz, quando a realidade nos sufoca contraditoriamente, é que muitos reconhecem o poder da fé e a força da proteção divina: “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?”. ‘’Eu sou aquele que é”, diria Jesus. Ontem, hoje e sempre!