Repletam-se as páginas da História de expressivas manifestações a notáveis personagens que se fizeram credores da gratidão de sua gente. Beneméritos nas mais variadas atividades, muitos os que fundiram nos bronzes do heroísmo ações que os levaram ao pedestal da glória. Um plebiscito de corações a ratificar a grandeza daqueles feitos, credores de efusivos aplausos. Hinos, cânticos a louvarem, por entre intenso júbilo, aqueles que se sacrificaram por um nobre ideal e glorificaram um povo. Tudo isto características do dia do triunfo.. Entretanto todas as demonstrações de exaltações até então verificadas na história se eclipsam ante a cena indescritível de que Jerusalém se tornou palco em manhã radiosa. O triunfo de Jesus de Nazaré foi o mais esplendoroso que a terra jamais conheceu. Os fastos dos povos não registrariam consagração mais expressiva. Personagem algum por mais grandiosos que tenham sido seus feitos e por mais espetaculares que tenham sido suas conquistas conseguiria superar e reeditar o triunfo terreno do Filho de Deus. Aclamações reboaram no cimo do monte das Oliveiras (Mt 21,1-11). . É que multidão de peregrinos afluía para as comemorações solenes da Páscoa em Jerusalém e deparara com Cristo a sair da casa de Lázaro. Cumpria aplaudir o famoso taumaturgo que tantos prodígios operara, curando tantos enfermos. Era necessário ovacionar o notável pregador que a milhares encantara com sua palavra celestial. Mister se fazia saudar o onipotente Rabi que ressuscitara mortos e alimentara milhares de pessoas no deserto. Pedro e João haviam trazido o jumentinho, que Lázaro adornara com manto encarnado de fina púrpura. O Mestre se pôs a caminho da Cidade santa. Entrara Ele tantas vezes ignoto naquela capital, ignorado das turbas. Agora, porém, queria solenizar seu ingresso no recinto sagrado da velha Sião. Como Messias, como Rei Ele entraria em Jerusalém. A fama da ressurreição de Lázaro se espalhara. Seus milagres eram comentados e a notícia deles se divulgara por toda parte. Suas sábias respostas a escribas e fariseus eram analisadas, seus gestos de carinho enaltecidos. Sua personalidade marcante havia impressionado a quantos o tinham conhecido. Todos falavam de Jesus e naquele momento em que num clima de profunda religiosidade o vêem a caminho do Templo uma grande emoção tomou conta de todos. A prisão e a morte de Cristo já estavam tramadas por seus inimigos (Mt 26,14-27), mas Jesus quis gravar nas páginas da História a maior cena de consagração humana para que dela seus seguidores tirassem preciosas lições. A multidão o viu. Ao vê-lo, se entusiasmou. Ao se entusiasmar, o aclamou. Todos se puseram a cantar e cantando diziam: “Bendito o que vem, o Rei, em nome do Senhor! Paz no céu e glória no mais alto dos céus!” Que espetáculo! Que apoteose! Que glorificação! Ao penetrar na cidade o entusiasmo popular adejou ao paroxismo. O fascínio era total. Jesus “entrou no Templo e tendo observado tudo, como fosse já tarde, saiu para Betânia com os Doze” (Mc 11,11). A multidão foi se dispersando. A boa nova ressoava nos corações: Jesus de Nazaré tivera um triunfo digno de tudo que fazia e ensinava. Tudo, porém, ia se transformar. Às ondas do aplauso, suceder-se-iam as vagas do insulto mais soez. Aclamações metamorfoseariam em imprecações hediondas. Louvores altissonantes seriam substituídos por clamores terríficos de morte. Aos hosanas se seguiriam horrípilas injúrias. Qual a razão pela qual Jesus permitira todo aquele alvoroço, toda aquela festa? É que Ele queria ensinar que devemos sempre desconfiar dos aplausos humanos.. Ele desejava mostrar qual o verdadeiro valor do triunfo terreno. Ele almejava alertar seus seguidores sobre qual a autêntica conquista que deveriam buscar, oferecia uma autêntica filosofia de vida a seus epígonos. Os triunfos terrenos, porém, são ilusórios. É para esta inequívoca precariedade das vitórias, das glórias, das honras humanas que neste dia nos chama a atenção o Mestre divino. Ramos não assinalou Sua vitória verdadeira. Seu triunfo Ele o conheceria em outra manhã radiosa, no momento de sua gloriosa ressurreição. Aqueles mesmos que o aclamaram o levarão ao suplício da cruz. O que houve entre o domingo de Ramos e a sexta-feira santa condensa o paradoxo do espírito humano, toda o drama da História, toda a versatilidade das multidões submissas às influências deletérias.. Retrata bem a atitude humana que vai dos protestos de amor a Deus até o abismo do pecado que ocasionou o drama do Calvário. É nisto que se deve refletir profundamente durante a Semana Santa para que jamais se passe dos hosanas ao desprezo daquele que foi crucificado porque muito amou os que estavam nas sombras da morte.
* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.