A morte é um castigo aplicado à humanidade por força do pecado ocorrido lá no Éden (Gn 3, 17-18). Tomás de Aquino na Suma Teológica (II.19,1) ensina que a morte tem caráter de pena, uma vez que priva o homem de um bem. Por esta punição fica reparado e colocado de novo em ordem algo que não devia acontecer. Assim sendo, a morte é um acontecimento fora do normal. Entretanto, observa o Aquinate que “enquanto é uma pena merecida. a morte tem, em certo sentido, uma nota de algo bom” (II, II 164,L ad 5). É que no fim de um caminho o ser racional se encontra ante um começo. A ideia, porém, de um caminhar para uma meta inclui o pensamento de que a esperança está não na morte mesma, mas se encontra além da morte. O que se espera só se alcança morrendo, contudo o que se aguarda é algo após o desenlace final. Isto significa que a morte é um fim de uma passagem por esta terra, mas não é o ocaso do ser pensante. É uma porta para um futuro faustoso, para uma continuação. Trata-se da separação da alma e do corpo. Poder, em seguida, contemplar a Deus, suma felicidade, é a vida eterna venturosa. Quem não estiver preparado para a visão beatífica ou se purificará no Purgatório (2 Mac 12,45; 1 Cor 3,15) ou estará para sempre impedido de entrar no céu, dependendo do que se deu do Juízo Particular. Como, porém, o corpo contribuiu para a entrada na glória perene da Jerusalém celeste ou para o inglório penetrar nas “trevas ” (Mt 8,12), um dia, dar-se-á a ressurreição. Para os que foram de Cristo nesta vida trata-se de um triunfo magnífico. A ressurreição de Jesus não foi um fato isolado e individual. Como em Adão todos os homens morreram, assim em Cristo todos serão vivificados (1 Cor 15,22). É por isto que se pode denominar Jesus como “primícia dos que pela ressurreição saem do sono” (1 Cor 15,20). A ressurreição de Cristo e a dos cristãos são duas realidades correlatas. Negar uma é negar a outra. Paulo é claríssimo: “Se a ressureição dos mortos não se dá, tão pouco Cristo ressuscitou e se Cristo não ressuscitou vã é nossa pregação, vã é nossa fé” (1 Cor 15,13-14). Outro aspecto filosófico da morte é que a imortalidade do corpo não é essencial à natureza humana. O homem anterior ao pecado não era essencialmente imortal. Se a imortalidade fosse algo essencial o homem não a poderia perder nem por força do pecado. O que estava dentro da estrutura essencial do homem desde o princípio e, portanto, pertencente à sua natureza era o poder morrer. Como, porém, a alma é espiritual sua separação do corpo não significaria nunca o desaparecimento completo do ser racional, como ocorre com os animais. É certa que a alma separada do corpo não é pessoa humana, dado que pessoa humana é uma alma enformando um corpo e um corpo enformado pela alma. Donde, mesmo diante da filosofia, é conveniente a doutrina da ressurreição, claramente contida na Bíblia. Estas considerações reforçam a fé. Anselmo de Cantuária mostrou que é preciso “crer para entender e entender para crer”. A teologia da morte é um dos capítulos mais belos do credo cristão. É que nascemos para morrer, mas morremos um dia para viver eternamente junto de Deus. Por isto convém sempre pensar na reflexão proposta num cemitério da Itália: “Homem que passas, detém os teus passos, e, pensa, de teus passos, o último passo”
* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.