Quem acompanhou os noticiários da semana, com certeza, pôde ver o episódio de duas crianças que roubaram um carro e, na fuga, uma delas foi morta pela polícia. Trivialidade dos dias de hoje, pode-se dizer. Mas o que mais me chamou a atenção foi a origem das crianças, em especial aquela que morreu. Pai presidiário, mãe drogada e ex-detenta e o menino fugitivo por diversas vezes de uma casa de recuperação. Como vemos, frutos de lares destruídos. A mãe, lagrimosa como há de ser, pedia apenas justiça!
Concomitantemente, o papa Francisco publicava, em Roma, uma carta apostólica intitulada: “Como uma mãe amorosa”. Orientava seus bispos, os responsáveis pelas Igrejas Particulares do mundo, a darem maiores atenções aos pequeninos, em especial os marginalizados, explorados sexualmente e indefesos, para que não mais sofram as arbitrariedades dos adultos e da sociedade. Lembrava a maternidade da Mãe-Igreja, que “ama todos os seus filhos, mas cuida e protege com mais afeto dos mais frágeis e indefesos”. Afinal é esta – ou pelo menos deveria ser – uma das missões da Igreja. Lembrou aos seus dirigentes que a não observância desses princípios poderia ocasionar a destituição (para a imprensa sensacionalista usou-se “expulsão”, como se isso fosse algo passível e não contraditório dentro de uma instituição que prega a misericórdia) de seus cargos ou transferência. A penalidade estaria sendo incorporada ao código de Direitos Canônicos.
Decisão tardia ou reforço contra as perversões humanas? Paulo já dizia que a lei é boa, “contanto que a tomemos como uma lei. Ela não é destinada ao justo, mas aos iníquos e rebeldes, ímpios e pecadores, sacrílegos e profanadores, parricidas e matricidas, homicidas, impudicos, pederastas, mercadores de escravos, mentirosos, para os que juram falso, e para tudo o que se oponha à sã doutrina” (1Tim 1, 8-10). Portanto, não devemos atribuir um acréscimo à lei como derivado de uma conduta presente unicamente dentro da Igreja. Porque o mal, o pecado, é fraqueza puramente humana, está em qualquer instituição, qualquer sociedade, qualquer família. Dizer que a preocupação do Papa era diminuir os crimes de pederastia ocorridos dentro da Igreja, ora, ora, isso é distorcer uma realidade que nos cerca a todos, como gente, como seres humanos susceptíveis ao erro. Não sejamos tendenciosos.
Aliás, quando Paulo também escreveu suas cartas apostólicas – e foram muitas – duas delas foram dirigidas em especial a Timóteo, seu companheiro e pupilo eclesiástico, que recebeu de suas mãos a unção sacerdotal – foi ordenado por ele. Deu-lhe especial atenção e incentivou seu ministério com clareza de objetivos. Nascia ali a estrutura clerical da Igreja. Nasciam também as primeiras instruções dessa “Mãe Amorosa” àqueles que pretendessem se consagrar a seu serviço. Num de seus capítulos exigia que o representante da Igreja praticasse, sobretudo, respeito e solidariedade com as pessoas. Em especial aos idosos, jovens, senhoras e crianças, aos quais deveria tratar “com toda pureza”. Portanto, o que o papa reforça em sua nova carta é exatamente isso: “mostrar uma diligência especial na proteção dos mais frágeis”.
Tudo isso já estava escrito. Demonstra-nos tão somente o zelo maternal da Igreja com seus filhos e pastores. A Lei do Amor abrange tudo. Quem se sente abrigado sob a proteção maternal, inserido num contexto de família que sabe apontar os melhores caminhos, há de diferenciar o que é certo ou não, em qualquer circunstância. “Quanto a você mesmo, seja para os fiéis um modelo na palavra, na conduta, no amor, na fé, na pureza” (1Tim 4, 12) – dizia Paulo ao clero nascente. Mas não se esqueça: aquela mãe que chora a morte do filho ainda nos pede: Justiça!