É do conhecimento de muitos, na civilização cristã, que Jesus de Nazaré confidenciou a São Bernardo que sua maior dor, desconhecida em parte pela criatura humana, é a chaga decorrente do peso de sua cruz salvadora, na seguinte manifestação: “Eu tinha uma chaga profundíssima no ombro, sobre o qual carreguei minha pesada cruz. Era ela a chaga mais dolorosa de todas, a qual as pessoas ainda hoje não a conhecem”. Fica, pois, o convite para que, por essa chaga, seja Deus honrado e louvado. Confiemos, pois, na sua segura resolução e retribuição, de tudo fazer por meio de suas feridas ocultas, na certeza de que nelas se encontram as dores da humanidade.
Em Charles de Foucauld, com seus propósitos concretos de vida no imenso deserto do Saara, temos o encontro e a descoberta progressiva e sempre maior do absoluto de Deus. Neste tempo que precede sua canonização, somos desafiados a percebermos um Deus verdadeiramente amigo, irmão e companheiro. Temos que ter como fundamento sua espiritualidade, do mais profundo do coração, envolvido e mergulhado no mistério de Deus. Nos seus ensinamentos do Evangelho, o da Cruz do Senhor, o deserto quer ser a água miraculosa e redentora para aqueles momentos difíceis, sequiosos e de grande aridez. A solidão, ou aridez, no exemplo do Irmão D’Foucauld, permite-nos continuar a jornada do dia a dia, como sendo algo precioso e raro, uma dadivosa manifestação da bondade afável e terna de Deus: mérito, dom e graça.
Que o Evangelho da Cruz de Charles de Foucauld, aos olhos da fé, ajude o nosso deserto, despojando-nos de tudo o que nos impede de vivermos a proposta do Reino como um tempo de graças especiais. Deus quer se manifestar, abrindo caminhos, animando-nos com o alimento e com a água verdadeira, que, no seu próprio exemplo, fez sair água das pedras ou do rochedo, matando a fome e a sede de sua esposa sedenta: o povo de Israel. Na travessia do primeiro deserto, nota-se que se sucedeu o mesmo na vida das pessoas, mas com sua presença no meio do seu povo, na alegoria de Israel representado como se fosse sua esposa, que nem sempre soube corresponder ao amor de Javé.
Naqueles 40 anos no deserto, com limitações e vacilos pelos caminhos áridos, estéreis e enfadonhos, com Deus abominando a deslealdade e a infidelidade de seu povo, ele não deixou de lançar um didático convite, com o pedido clamoroso de não endurecer seu coração (cf. Sl 95, 8). Sua promessa, concedendo generosos benefícios, Deus quis contar com a adesão e a aquiescência da esposa: a de andar pelos bons caminhos e observar sua Lei, falando ao coração de sua gente, convocando para a conversão. Que o bem-aventurado Charles de Foucauld interceda a Deus por nós, acompanhando-nos e abençoando-nos em nossos desertos da vida. Assim seja!