Às 17h50min do dia 19 de abril de 2012, a “fumaça branca” que saída da chaminé da Capela Sistina, no Vaticano, anunciava que “um simples e humilde trabalhador da vinha do Senhor” fora escolhido Papa, para suceder o Sumo Pontífice João Paulo II, hoje, São João Paulo II.
Era o mesmo menino que fora batizado no sábado santo, com a água batismal da liturgia pascal. Aos doze anos, ingressara no Seminário Menor em Traunstein, pequena cidade perto de Salisburgo. Sua juventude não foi fácil: o regime nazista hostilizava a Igreja Católica. Viu os nazistas açoitarem seu pároco antes da celebração da Santa Missa. Viu seu primo ser levado preso pelos nazistas. Até o ano de 1944, convocado, esteve alistado nos serviços auxiliares antiaéreos. Viu, bem de perto, os horrores da guerra e as lágrimas de tantos e de tantas que perderam seus filhos e filhas, seus maridos, suas casas e seus bens. Em 1945, terminada a guerra, ele e seu irmão Georg retornaram ao seminário, fizeram os estudos filosóficos e teológicos no Herzogliches Georgianum. Foi ordenado sacerdote, em 29 de junho de 1951, pelas mãos do Cardeal Michael Von Faulhaber, Arcebispo de Munique.
De inteligência privilegiada, dominou dez línguas, e recebeu sete títulos de Doutor Honoris Causa. Excelente pianista, teve sua preferência voltada para Beethoven. Mesmo como Papa, continuou cultivando a música e o piano.
Recentemente, foi considerado pela mídia internacional como a maior cultura viva na atualidade. É, também, reconhecido como o Papa mais erudito da história e o mais sábio dos teólogos que já viveram. Alguns o colocam ao lado de Santo Agostinho, de São Tomás de Aquino e de São Boaventura.
Deixando de considerar sua trajetória como Professor, como Bispo, como Arcebispo e como Cardeal, prefiro enfocar sua presença forte na vida e na história da Igreja ao longo de seu pontificado.
A pessoa de Jesus Cristo foi sempre a centralidade de sua vida, de sua vocação, de seu sacerdócio, de seu episcopado e de seu pontificado.
Como Papa, escreveu três Encíclicas, uma Exortação Pós-Sinodal e três livros sobre Jesus Cristo, sendo um deles sobre a “Infância de Jesus”. Em vários de seus discursos, chamou a atenção dos países da Europa por estarem perdendo suas raízes cristãs.
Como colaborador próximo de seu antecessor e à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, como Prefeito, adquiriu um conhecimento profundo e minucioso da Igreja, de suas maravilhas e dos pecados de seus filhos, Sacerdotes ou Bispos. Ao aceitar sua eleição para Papa, sabia, perfeitamente, em que águas agitadas e turbulentas navegava a “Barca de Pedro”!
Humilde, sereno, piedoso, pessoa de grande vida de oração, alimentado por uma fé profunda e por um grande amor a Jesus Cristo e à Igreja, suportou e conduziu com santa sabedoria as diversas crises que surgiram: “Vatileaks”; problemas antigos que vieram à tona, como abusos sexuais de menores, por parte do clero; deserção de sacerdotes; pessoas próximas a ele envolvidas no escândalo do IOR; tensões na Igreja em algumas nações; resistência a seus ensinamentos por grupos ultraconservadores; má compreensão ou talvez manipulação de suas palavras em discursos oficiais (Regensburg). Graças a sua profundidade espiritual e intelectual, ele soube, em tudo isso, se conservar sereno, discreto, fiel, cordial.
Criou 79 cardeais, sendo 3 brasileiros. No Brasil, nomeou 101 Bispos e 22 Arcebispos. Não posso esquecer suas três visitas ao Brasil, sendo duas como Cardeal a primeira em 1982 e, em 1990 para dar um curso de atualização teológica, no Rio de Janeiro, a um grupo de 100 Bispos, aproximadamente, e uma como Papa, em maio de 2007 (9 a 13), quando canonizou Santo Antônio Maria Galvão no Campo de Marte, em São Paulo, com a presença de 1.200.000 pessoas. Disse, então: “Tenham certeza: o Papa vos ama e, vos ama porque Jesus vos ama!” Na ocasião, falou aos Bispos do Brasil, na Catedral de São Paulo; participou, depois, da 5a Conferência do Episcopado Latino-Americano e Caribe, em Aparecida, SP, e visitou a fazenda de recuperandos químicos em Guaratinguetá.
Ancorado em seu despojamento e sentindo o peso da idade e as limitações da saúde, em 28 de fevereiro de 2012, oficializou sua abdicação. Em janeiro daquele ano, quando um Bispo brasileiro lhe perguntou: “Vossa Santidade irá ao Brasil na Jornada Mundial da Juventude?” Ele respondeu: “O Papa irá.” Ao saber disso, entendi que ele anunciava, implicitamente, a possibilidade de sua renúncia ao pontificado. Eu estava no Carmelo de Coimbra, em Portugal. Fui, então, à Roma, convencido de que seria a última vez que beijaria suas mãos, enquanto Papa. Ao final da audiência geral, na hora de cumprimentá-lo, emocionei-me e pouco consegui falar. Olhei nos seus olhos e beijei, reverentemente, suas mãos. Era o dia 24 de janeiro. Passados trinta e quatro dias, meus pressentimentos se confirmaram!
São João escreveu no seu Evangelho: “Ora, a vida eterna é que eles te conheçam a ti, o único e verdadeiro Deus, e àquele que enviaste, Jesus Cristo” (17,3). Bento XVI, que ao longo de toda sua vida se esmerou tanto no conhecimento de Jesus Cristo, tem, agora, toda a eternidade para contemplar o grande amor de sua vida! É a recompensa que Deus Pai lhe preparou.