Nenhum pensador humano deixou de transitar suas ideias sobre a questão da liberdade. Por ser ela um principio de dignidade e de autonomia, o direito de ir e vir, de pensar e agir, de aceitar ou recusar, de abraçar uma ideia, uma fé ou um modo de vida sempre esteve presente na história humana como causa e consequência dos caminhos que trilhamos. Se boa ou ruim, a escolha foi nossa. É o que chamamos de livre arbítrio. Faculdade humana que até Deus respeita.
Entretanto, a estrutura social nem sempre respeita a liberdade do indivíduo, como cláusula intocável e direito inviolável. Não a vemos no processo de arregimentação de muitos trabalhadores. Não a vemos na exploração degradante da sexualidade tanto feminina quanto masculina. Não a vemos nos mirabolantes tráficos de órgãos para transplantes, que a ciência moderna criou para “salvar vidas”. Não a vemos nas imposições doutrinárias ou partidárias de regimes e instituições claramente monopolizadoras. Nem mesmo na apregoada cartilha dos direitos humanos, que quase sempre é manipulada e distorcida em favor de mandatários e estruturas dominantes.
A liberdade só chega até onde os tentáculos da dominação permitem. Nesta conjectura, o grito de liberdade que nos propõe a Igreja, é um brado que diz respeito a todos. Quem já não se sentiu acuado por brandir sua opinião contra situações de injustiça, por defender a causa do mais fraco, por opinar com convicção contra leis e decisões injustas, por apregoar ideias contrárias ao ideário político-partidário, por vestir e defender as cores de suas convicções pessoais, comunitárias ou mesmo religiosas… Estamos num fogo cruzado entre interesses múltiplos, onde, por força das estruturas que sempre dominaram o mundo, o indivíduo não se faz ouvir nas suas mínimas e mais preciosas aspirações. Dentre elas a liberdade, seu mais sagrado direito.
Quando o apóstolo nos lembra que “é para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1), usa de uma redundância tão somente para realçar essa liberdade. Ela nos custou o sofrimento de um redentor. Foi-nos restaurada ao preço de muita dor, suor, sangue e humilhação. Trouxe-nos o discernimento para fazermos nossas escolhas com total liberdade de ação, sem, no entanto, repetirmos os erros do passado, quando éramos escravos e nossa história era escrita sob os grilhões do pecado social. Se ainda o praticamos, hoje somos conscientes. Exatamente a consciência é que nos faculta o perdão e a liberdade de optar pelo caminho certo, fugir dos erros passados, trilhar pelas sendas da justiça e da misericórdia divinas. Portanto, abaixo a escravidão. Abaixo toda forma de tráfico e opressão humana, cujas raízes ainda nos lembram os processos da cegueira humana antes da clarividência da revelação cristã: a verdade vos libertará! Depois de Cristo, não há justificativas para qualquer situação que viole a liberdade do indivíduo, de classes ou até de nações inteiras, sob o pretexto da ignorância de causa.
Os valores sociais tendem sempre a serem deixados de lado, quando a experiência do divino está em queda. É uma reação sintomática. Proporcional. Perigosa. Se perdermos a referência do Eterno, se fecharmos nossos olhos para as crescentes formas de escravidão humana – dentre elas o tráfico de forma assustadora – estaremos rasgando não só nossas constituições de vida social ao menos suportável, como também permitindo a volta das maiores abominações que a história humana já escreveu, especialmente quando distante de Deus. Não percamos esse referencial. “Cristo nos libertou” E o papa Francisco hoje alerta: “Não é possível ficar impassível, sabendo que existem seres humanos sendo tratados como mercadoria”.