Na Quaresma, os apelos da fé e da esperança chegam a nós de muitos modos, como nos variados tempos e circunstâncias. Como é maravilhosa a imagem do encontro e da queda de Saulo no caminho de Damasco, descobrindo algo divino nas areias sagradas daquela estrada! É a voz misteriosa e infinitamente maior a desmantelar sua incontida convicção, transformando-o e, doravante, se doando por completo a Deus, no serviço da humanidade. Para Francisco de Assis, igualmente alegoria, no grandioso e epopeico custo de não só descer ladeira abaixo no belo, encantador e deferente cavalo, que na circunstância montava, mas também do cavalo do orgulho e da vaidade, no sonho juvenil de conquistar grandes títulos da nobreza de seu tempo.
A Quaresma quer, de verdade, nos envolver em mistério, como asseverava Dom Helder: “Quando as palavras somem, quando os cuidados adormecem, quando nos entregamos, de verdade, nas mãos do Senhor, o grande silêncio nos mergulha na paz, na confiança, na alegria. (…) E a voz de Deus se faz ouvir”. No contexto misterioso de Marta e Maria, Jesus não censura o trabalho de Marta, e não poderia contrariá-la, diante da conjuntura edificante e didática do serviço, do ensinamento e do exemplo generoso da acolhida. O grande desafio e aventura, no ensinamento de Jesus a Marta e aos cristãos, é no sentido de que o Evangelho nos converta, a ponto de revisarmos nossa postura de trabalhar, afastando-nos e distanciando-nos dos sinais de exaspero e estresse, no convívio do dia a dia.
O apelo do nosso bom Deus neste tempo favorável, com a conturbada vida da criatura humana, é que caminhemos na direção e no rigor de Santo Agostinho, na sua preciosa obra “A Cidade de Deus”, desenvolvendo-se entre duas grandes forças, dois paradoxais e contrastantes amores, a saber: “Dois amores edificaram duas cidades: o amor-próprio, levado pelo desprezo a Deus, a cidade terrena; o amor a Deus, levado ao desprezo de si próprio, a cidade celestial”. Vemos, pois, que o primeiro gira em torno de si próprio e o segundo é evidente que gira em torno de Deus.
Convencidos de viver e anunciar o Evangelho da Salvação, em meio às exigências do nosso tempo, faz-se urgente e necessário, como valor indizível e sagrado, uma fé sólida e consistente, como no exemplo acima do Mestre das Nações e do Poverello de Assisi. Como família dos filhos de Deus, neste tempo da Quaresma, que estejamos totalmente abertos para acolher os sinais de Deus, nos apelos da Campanha da Fraternidade 2020, motivados pela parábola do Bom Samaritano: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele”! Assim seja!