Ao iniciarmos o novo ano litúrgico com o Primeiro Domingo do Advento (30/11/2014), foi aberto o Ano da Paz, que durará até o Natal do próximo ano (25/12/2015). A iniciativa de declarar o Ano da Paz para a Igreja no Brasil foi tomada em nossa última Assembleia Geral dos Bispos, em Aparecida. O clamor ouvido pelos bispos sobre a violência em nosso país fez com que assumíssemos esse compromisso de um ano temático sobre a Paz. Assim, diante deste tão rico e importante tema que a sociedade urge gritando a paz, podemos nos perguntar: “É possível percorrer o caminho da paz? Podemos sair desta espiral de dor e de morte? Podemos aprender de novo a caminhar e percorrer o caminho da paz?… Sim, é possível para todos!” (Papa Francisco, Vigília de Oração pela Paz, 07∕09/14).
A violência continua uma constante. Os motivos que alimentam conflitos e guerras são diversos: a injustiça que obriga dois bilhões a sobreviver com menos de um dólar por dia, divergências culturais e religiosas, sistema militar e necessidades da indústria de armamentos, ideologias que desrespeitam os valores da criatura humana e suas culturas, a mentalidade consumista que leva nossos jovens a terem baixos ideais… Tudo faz parte de uma “iniquidade estrutural”, que se traduz nas violências nossas de cada dia.
Vivemos uma cultura de violência, fomentada por diversos ciclos viciosos presentes em todos os lugares: na mídia, nos brinquedos, no trânsito, na vida, nas estruturas, na falta de respeito às pessoas. Isso tudo, somado ao individualismo, materialismo e à busca pela satisfação imediata, faz com que as pessoas sejam menos capazes de lidar com suas frustrações e estejam mais propensas a transformar pequenos atritos em grandes confrontos.
O Brasil é um dos países onde mais se mata com arma de fogo. São mais de 40 mil mortes por ano, ou cerca de uma morte a cada 15 minutos. A maioria delas é causada por motivos banais, como uma briga de trânsito, ou simplesmente tomando uma cerveja em determinado bar, um som com um volume muito alto ou para roubar o trabalhador que retorna de seu serviço.
A paz não pode sobreviver sem um pacto, sem uma aliança ampla que seja fruto do conjunto de todos os esforços humanos em vista da sobrevivência planetária. O caminho para a não-violência passa pelo respeito à diversidade de culturas, religiões e povos. Se a relação com o outro for profunda, implica o desafio de repensar a realidade e as relações sociais a partir de outros critérios e paradigmas. Desenvolver esta cultura da paz começa pela vida cotidiana de cada um. Demanda uma autêntica conversão pessoal.
A não-violência não é apenas um ideal a ser buscado, mas uma forma permanente de vida, baseada na justiça e na inclusão social. É preciso cuidar do outro com o verdadeiro sentido da palavra. O cuidado é uma condição essencial do ser humano e abrange também o contexto da exclusão social, bem como o conjunto da vida em nosso planeta. Quem aprofunda este caminho percebe que os atos violentos – assaltos, sequestros, assassinatos, manifestações de racismo, de discriminação social e outras injustiças – são apenas expressões ou consequências da estrutura da sociedade, firmada, ela própria, na violência.
Essa consciência passa, inevitavelmente, pelas famílias, escolas, universidades. É na Igreja, família, escola com o convívio e o estudo, que aumentamos a nossa liberdade. Porque a liberdade só se constrói quando se tem uma noção de quais são as opções. Se eu tenho só uma opção à minha frente, que liberdade é essa? Mas se eu sei que existem muitos caminhos, a minha liberdade será vivida com mais plenitude. Através da educação, a pessoa se torna mais consciente e, consequentemente, mais humana.
A presença de Deus na terra dos homens é anunciada com uma exclamação e desejo de Paz: “Glória a Deus no mais alto dos céus, e na terra, paz aos que são do seu agrado!” (Lc 2,14). Ele, o Príncipe da Paz, o Arauto da Paz, Ele, a nossa Paz! Nova presença, nova vida, novo horizonte: proximidade, acolhida, fraternidade. “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz” (Jo, 14, 27). Paz no Reino novo, onde reinarão a justiça, o perdão, o diálogo; cultura da paz. Cristo é a nossa paz, recorda-nos a Campanha para a Evangelização ao iniciar um novo ano litúrgico.
A nossa alegria nasce da paz que Cristo hoje nos concede, pois a primeira palavra de Jesus, que rompe o silêncio da morte e o abismo do vazio do nada sem Deus, é “a paz esteja convosco”. É a novidade do “Shalom” de Deus; não se trata de uma simples paz, mas da paz bíblica, prometida para o Dia do Senhor, paz da presença constante de Deus em nossa vida, da vida plena, da vitória sobre a morte. Paz que nasce como fruto da verdadeira esperança de que um dia nossos limites condicionados pelo pecado seriam superados, de que a vida destruiria o poder da morte e de que o amor destronaria todo medo. Paz que é expressão da vida nova nascida da grande misericórdia do nosso Deus.
“A Igreja proclama o “evangelho da paz” (Ef 6,15) e está aberta à colaboração com todas as autoridades nacionais e internacionais para cuidar deste bem universal tão grande”. “Ao anunciar Jesus Cristo, que é a paz em pessoa (cf. Ef 2,14), a nova evangelização incentiva todo batizado a ser instrumento de pacificação e testemunha credível de uma vida reconciliada” (EG 239).
Portanto, que possamos viver este Ano da Paz com muitas bênçãos. Atitudes, gestos concretos e sempre pedindo ao Senhor que nos ilumine e que traga esta paz aos nossos corações, às famílias e a todo o mundo.
Que a Paz reine em nossas fronteiras! Sejamos propagadores e testemunhas da paz, aquela paz que vem do Senhor!