Um dos episódios mais contraditório no processo de libertação de um povo é o apego deste ao sistema vigente. Sofrem, são injustiçados, humilhados, escravizados até, mas não renunciam à subserviência, aos mandos e desmandos dos governantes de plantão. Nada compreendem, sequer se dão conta do uso político e social que lhes rouba a dignidade mínima, mas são unanimidade na aprovação das migalhas que recebem. Não possuem a visão crítica dos fatos e desconhecem os direitos que se lhes são negados. Até a própria liberdade é quase um luxo, uma regalia que não lhes faz falta.
Nessa situação, o próprio povo de Deus um dia se encontrou, durante a travessia do deserto. Tinham saudades das cebolas do Egito! Ah, como eram felizes sob o jugo do Faraó, “quando nos sentávamos junto às panelas de carne e comíamos pão com fartura!” (Ex 16, 3). Escravidão, que nada… Tinham o estomago saciado, ao menos isso!
Querem a simpatia de um povo? Deem pão e circo! Essa lógica, como veem, vem de longe. Mas é uma máxima bem conhecida também nos nossos dias. Não é e nunca pode ser um procedimento cristão, posto que a doutrina que seguimos nos impele a viver “em conformidade com a verdade que está em Jesus”, afirma Paulo. E conclui: “Renunciando à vossa existência passada, despojai-vos do homem velho, que se corrompe sob o efeito das paixões enganadoras” (Ef, 4,22). Alimentamo-nos não com as falsas esperanças e ilusões passageiras dum mundo que subverte as expectativas da fé na ressurreição. Esse é nosso alimento, o centro da fé cristã. Tudo o mais é passageiro, corrompido e falível. O alimento que nos dá vida vem do alto. “Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna e que o Filho do Homem vos dará” (Jo 6,27). Duvida?
Esse é o verdadeiro testemunho que o seguimento fiel à doutrina de Cristo faz florescer na comunidade de fé. Sem esse “selo” não existe comunidade, muito menos um povo que se possa dizer seguidor do Mestre. “Em verdade, em verdade vos digo, não foi Moisés quem vos deu o pão que veio do céu. É meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu. Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo” (Jo 6, 32-33). Desnecessário dizer algo mais. Apenas questiono aqueles que ainda desconhecem a ação libertadora presente na Eucaristia cristã. Esse é o pão que nos liberta, nos alimenta, nos fortalece. Não nos deixa órfãos, não escraviza, não nos submete aos sistemas de subserviência do mundo político e social. A Eucaristia é o alimento do corpo e da alma que faz crescer nossa consciência de servidão a Deus, nunca aos homens. É isso que falta àqueles que ainda desconhecem a força que emana do pão da vida.
E Ele ainda nos ensina, com todas as letras: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede”. Duas condições: ir até Ele e Nele acreditar! E nunca mais lhe faltará o alimento. Nem do corpo, nem da alma. E seremos livres para sempre.