Neste artigo, desejo tratar da relação que a Igreja Católica tem – ou procura ter – com outros cristãos (a isso chamamos Diálogo Ecumênico). Queremos, enquanto católicos fiéis à nossa fé, ser construtores de pontes que dialoguem.
O Diálogo Ecumênico é tratado no Decreto Unitatis Redintegratio (UR), do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-65). Nele se vê o grande desejo do retorno à unidade entre os cristãos em geral – quer dizer, entre os que invocam a Deus Trino e confessam a Cristo como Senhor e Salvador, não só individualmente, mas também reunidos em assembleias (UR, 1) – sem barganhar a interpretação da Palavra de Deus, que é uma só, mas é a nós transmitida por dois canais: a Sagrada Escritura e a Sagrada Tradição, ambas sadiamente interpretadas pelo Magistério vivo da Igreja (cf. Catecismo da Igreja Católica n. 74-95). É exatamente para afastar qualquer perigo de relativismo que, já no início do Unitatis Redintegratio, temos o seguinte longo parágrafo: “Nisto se manifestou a caridade de Deus para conosco, em que o Filho unigênito de Deus foi enviado ao mundo pelo Pai a fim de que, feito homem, desse nova vida pela Redenção a todo o gênero humano e o unificasse. Antes de se imolar no altar da cruz como hóstia imaculada, rogou ao Pai pelos que creem, dizendo: ‘Para que todos sejam um, como tu, Pai, em mim e eu em ti; para que sejam um em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste’ (Jo 17,21). Na Sua Igreja instituiu o admirável sacramento da Eucaristia, pelo qual é tanto significada como realizada a unidade da Igreja. A Seus discípulos deu o novo mandamento do mútuo amor e prometeu o Espírito Paráclito, que, como Senhor e fonte de vida, com eles permanecesse para sempre”.
“Suspenso na cruz e glorificado, o Senhor Jesus derramou o Espírito prometido. Por Ele chamou e congregou na unidade da fé, esperança e caridade o Povo da nova Aliança, que é a Igreja, como atesta o Apóstolo: ‘Só há um corpo e um espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação. Só há um Senhor, uma fé, um Batismo’ (Ef 4,4-5). Com efeito, ‘todos quantos fostes batizados em Cristo, vos revestistes de Cristo… Pois todos sois um em Cristo Jesus’ (Gl 3,27-28). O Espírito Santo habita nos crentes, enche e rege toda a Igreja, realiza aquela maravilhosa comunhão dos fiéis e une a todos tão intimamente em Cristo, que é princípio da unidade da Igreja. Ele faz a distribuição das graças e dos ofícios, enriquecendo a Igreja de Jesus Cristo com múltiplos dons, ‘a fim de aperfeiçoar os santos para a obra do ministério, na edificação do corpo de Cristo’ (Ef 4,12)”.
“Para estabelecer esta Sua Igreja santa em todo mundo até à consumação dos séculos, Cristo outorgou ao colégio dos doze o ofício de ensinar, governar e santificar. Dentre eles, escolheu Pedro, sobre quem, após a profissão de fé, decidiu edificar a Sua Igreja. A ele prometeu as chaves do reino dos céus e, depois da profissão do seu amor, confiou-lhe a tarefa de confirmar todas as ovelhas na fé e de apascentá-las em perfeita unidade, permanecendo eternamente o próprio Cristo Jesus como pedra angular fundamental e pastor de nossas almas. Jesus Cristo quer que o Seu Povo cresça mediante a fiel pregação do Evangelho, administração dos sacramentos e governo amoroso dos Apóstolos e dos seus sucessores os Bispos, com a sua cabeça, o sucessor de Pedro, sob a ação do Espírito Santo; e vai aperfeiçoando a sua comunhão na unidade: na confissão de uma só fé, na comum celebração do culto divino e na fraterna concórdia da família de Deus. Assim a Igreja, a única grei de Deus, como um sinal levantado entre as nações, oferecendo o Evangelho da paz a todo o gênero humano, peregrina em esperança, rumo à meta da pátria celeste. Este é o sagrado mistério da unidade da Igreja, em Cristo e por Cristo, realizando o Espírito Santo a variedade dos ministérios. Deste mistério o supremo modelo e princípio é a unidade de um só Deus, o Pai e o Filho no Espírito Santo, na Trindade de pessoas” (n. 2).
Em outras palavras, o sadio diálogo ecumênico não é, de modo algum, atraiçoador da reta fé da Igreja “porque só pela Igreja católica de Cristo, que é o meio geral de salvação, pode ser atingida toda a plenitude dos meios salutares” (UR 3), ainda que fora da Igreja visível também haja muitos elementos da Igreja de Cristo e seja possível a salvação eterna em virtude dessa mesma Igreja (idem; cf. Lumen Gentium, 16; Gaudium et Spes, 22). Cumpre notar, com o Concílio Vaticano II que são Igrejas, no sentido próprio do termo, aqueles segmentos cristãos que conservam validamente a sucessão apostólica no ministério dos Bispos e a Eucaristia; as demais são denominadas Comunidades Eclesiais (cf. UR 14-23).
Em que consiste, então, o verdadeiro diálogo ecumênico? – O próprio Unitatis Redintegratio nos explica, de modo claro e longo: “Hoje, em muitas partes do mundo, mediante o sopro da graça do Espírito Santo, empreendem-se, pela oração, pela palavra e pela ação, muitas tentativas de aproximação daquela plenitude de unidade que Jesus Cristo quis. Este sagrado Concílio, portanto, exorta todos os fiéis a que, reconhecendo os sinais dos tempos, solicitamente participem do trabalho ecumênico. Por ‘movimento ecumênico’ entendem-se as atividades e iniciativas, que são suscitadas e ordenadas, segundo as várias necessidades da Igreja e oportunidades dos tempos, no sentido de favorecer a unidade dos cristãos. Tais são: primeiro, todos os esforços para eliminar palavras, juízos e ações que, segundo a equidade e a verdade, não correspondem à condição dos irmãos separados e, por isso, tornam mais difíceis as relações com eles; depois, o ‘diálogo’ estabelecido entre peritos competentes, em reuniões de cristãos das diversas Igrejas e Comunidades, organizadas em espírito religioso, em que cada qual explica mais profundamente a doutrina da sua Comunhão e apresenta com clareza as suas características. Com este diálogo, todos adquirem um conhecimento mais verdadeiro e um apreço mais justo da doutrina e da vida de cada Comunhão. Então estas Comunhões conseguem também uma mais ampla colaboração em certas obrigações que a consciência cristã exige em vista do bem comum. E onde for possível, reúnem-se em oração unânime. Enfim, todos examinam a sua fidelidade à vontade de Cristo acerca da Igreja e, na medida da necessidade, levam vigorosamente por diante o trabalho de renovação e de reforma”.
“Desde que os fiéis da Igreja católica prudente e pacientemente trabalhem sob a vigilância dos pastores, tudo isto contribuirá para promover a equidade e a verdade, a concórdia e a colaboração, o espírito fraterno e a união. Assim, palmilhando este caminho, superando pouco a pouco os obstáculos que impedem a perfeita comunhão eclesiástica, todos os cristãos se congreguem numa única celebração da Eucaristia e na unidade de uma única Igreja. Esta unidade, desde o início Cristo a concedeu à Sua Igreja. Nós cremos que esta unidade subsiste indefectivelmente na Igreja católica e esperamos que cresça de dia para dia, até à consumação dos séculos. Mas é evidente que o trabalho de preparação e reconciliação dos indivíduos que desejam a plena comunhão católica é por sua natureza distinto da empresa ecumênica: Entretanto, não existe nenhuma oposição entre as duas, pois ambas procedem da admirável Providencia divina. É, sem dúvida, necessário que os fiéis católicos na empresa ecumênica se preocupem com os irmãos separados, rezando por eles, comunicando com eles sobre assuntos da Igreja, dando os primeiros passos em direção a eles. Sobretudo, porém, examinam com espírito sincero e atento aquelas coisas que na própria família católica devem ser renovadas e realizadas para que a sua vida dê um testemunho mais fiel e luminoso da doutrina e dos ensinamentos recebidos de Cristo, através dos Apóstolos”.
“Embora a Igreja católica seja enriquecida de toda a verdade revelada por Deus e de todos os instrumentos da graça, os seus membros, contudo, não vivem com todo aquele fervor que seria conveniente. E assim, aos irmãos separados e ao mundo inteiro o rosto da Igreja brilha menos e o seu crescimento é retardado. Por esse motivo, todos os católicos devem tender à perfeição cristã e, cada um segundo a própria condição, devam procurar que a Igreja, levando em seu corpo a humildade e mortificação de Jesus, de dia para dia se purifique e se renove, até que, Cristo a apresente a Si gloriosa, sem mancha e sem ruga. Guardando a unidade nas coisas necessárias, todos na Igreja, segundo o múnus dado a cada um, conservem a devida liberdade tanto nas várias formas de vida espiritual e de disciplina, como na diversidade de ritos litúrgicos e até mesmo na elaboração teológica da verdade revelada. Mas em tudo cultivem a caridade. Por este modo de agir, manifestarão sempre melhor a autêntica catolicidade e apostolicidade da Igreja”.
“Por outro lado, é mister que os católicos reconheçam com alegria e estimem os bens verdadeiramente cristãos, oriundos de um patrimônio comum, que se encontram nos irmãos de nós separados. É digno e salutar reconhecer as riquezas de Cristo e as obras de virtude na vida de outros que dão testemunho de Cristo, às vezes até à efusão do sangue. Deus é, com efeito, sempre admirável e digno de admiração em Suas obras. Nem se passe por alto o fato de que tudo o que a graça do Espírito Santo realiza nos irmãos separados pode também contribuir para a nossa edificação. Tudo o que é verdadeiramente cristão jamais se opõe aos bens genuínos da fé, antes sempre pode fazer com que mais perfeitamente se compreenda o próprio mistério de Cristo e da Igreja. Todavia, as divisões dos cristãos impedem a Igreja de realizar a plenitude de catolicidade que lhe é própria naqueles filhos que, embora incorporados pelo Batismo, estão separados da sua plena comunhão. E até para a própria Igreja se torna mais difícil exprimir na realidade da vida e sob todos os aspectos a sua plena catolicidade”. O longo parágrafo termina com uma exortação: “Este sagrado Concílio verifica com alegria que a participação dos fiéis na ação ecumênica aumenta cada vez mais. Recomenda-a aos Bispos de todo o mundo, para que a promovam com interesse e prudentemente a dirijam” (n. 4).
Desejo, depois de expor os principais pontos do Unitatis Redintegratio, lembrar que os movimento visando a unidade dos cristãos, ardentemente desejada por Cristo (cf. Jo 17,21), tem origem no já distante século XIX e mereceu, por parte da Santa Sé, correções, no que tinha de confuso, e elogios, naquilo que é lícito, incluindo entre os incentivos o bom estímulo do Papa Leão XIII (cf. Daniel Rops. A Igreja das revoluções (III). Esses nossos irmãos, os cristãos. São Paulo: Quadrante, 2008, p. 507-572). Ainda, por um impulso da graça divina, em janeiro de 1938, o Padre Paul Couturier escreveu à Madre Pia Gullini, abadessa do mosteiro trapista de Grottaferrata, na Itália, e também entusiasta da Unidade dos cristãos, uma mensagem convidando as monjas a rezarem nessa intenção. No final do convite, se lê algo importante: “Sem fechar os olhos, voluntariamente, ante as diferenças para resolvê-las em um sincretismo destruidor de qualquer fé verdadeira, busquemos, antes de mais nada, o que nos aproxima para destacá-lo. Desse modo, virão à luz as perspectivas de convergência nas quais aparecerá a necessidade de recusar tudo quanto há de negativo e reavaliar nossa respectiva orientação dogmática” (Gabriella dell’Unità. Lettere dalla Trapa. Milano: San Paolo, 2006, p. 23-24).
Peçamos a graça de – em comunhão com o Santo Padre, o Papa, e o Bispo diocesano – rezar e, na medida de nossas possibilidades, atuar junto aos irmãos separados para que a vontade do Senhor se cumpra e todos sejamos um, como Ele e o Pai o são (cf. Jo 17,21). Assim seja!