Desde quando a Igreja deve se preocupar com questões ecológicas? Desde sempre. Afinal ecologia e vida estão intrinsicamente ligadas, tal qual vida e espiritualidade não se separam da realidade humana, constituem a essência do que somos neste mundo: um animal dotado de corpo e alma. “O Senhor, que primeiro cuida de nós, ensina-nos a cuidar dos nossos irmãos e irmãs e do ambiente que Ele nos dá de prenda cada dia. Esta é a primeira ecologia que precisamos” (41). Assim Papa Francisco introduz o terceiro sonho de sua carta apostólica dirigida à “Querida Amazônia”.
Como vemos, Francisco faz jus ao nome que escolheu. Tal qual aquele amante dos pássaros e animais cujo sonho era reconstruir a Igreja. Tal qual o sonho ecológico que hoje nos sensibiliza. “Se o cuidado das pessoas e o cuidado dos ecossistemas são inseparáveis, isto torna-se particularmente significativo lá onde a ‘floresta não é um recurso para se explorar, é um ser ou vários seres com os quais se relacionar’ (LS)… Abusar da natureza significa abusar dos antepassados, dos irmãos e irmãs, da criação e do Criador” (42). Só o egoísmo e a ambição desmedida de alguns poucos para não compreender tamanha verdade: nos passos da exploração extrativista nada teremos a sonhar, mas a lamentar muito. “O equilíbrio da terra depende também da saúde da Amazônia” Quem nunca ouviu falar disso? “Quando se elimina a floresta, esta não é substituída, ficando um terreno com poucos nutrientes que se transforma num território desértico ou pobre em vegetação” (48).
Aqui nos deparamos com um cenário nada promissor, pois “num ecossistema como o amazônico, é incontestável a importância de cada parte para a conservação do todo” (48). Ou seja: “não basta prestar atenção à preservação das espécies mais visíveis em risco de extinção. É crucial ter em conta que, ‘para o bom funcionamento dos ecossistemas’, também são necessários os fungos, as algas, os vermes, os pequenos insetos, os répteis e a variedade inumerável de micro-organismos” (49). “Além disso a água, que abunda na Amazônia, é um bem essencial para a sobrevivência humana, mas as fontes de poluição vão aumentando cada vez mais” (49). A Igreja não faz uma ingerência sobre qualquer soberania territorial, mas um alerta bem apropriado aos que administram ou governam a região. E sentencia: “Por isso, a solução não está numa ‘internacionalização’ da Amazônia, mas a responsabilidade dos governos nacionais torna-se mais grave” (50).
Que se calem, pois, os semeadores de discórdias pura e simples. “Se nos detivermos na superfície, pode parecer ‘que as coisas não estejam assim tão graves e que o planeta poderia subsistir ainda… Este comportamento evasivo serve-nos para mantermos os nossos estilos de vida, de produção e consumo” (53). É muito cômodo acusar, defendendo interesses pessoais, sem a visão do todo. Como acontece numa descoberta de riquezas minerais, onde a destruição sobrepõe-se ao bem comum, como um trator de esteira que não avalia o rastro de destruição atrás de si. “Por todas estas razões, nós, os crentes, encontramos na Amazônia um lugar teológico, um espaço onde o próprio Deus Se manifesta e chama os seus filhos” (57). Uma urgência se faz primordial: educação e hábitos ecológicos. “A grande ecologia sempre inclui um aspecto educativo, que provoca o desenvolvimento de novos hábitos” (58). O que vemos acontecer no mundo amazônico é exatamente o contrário: “o consumismo e a cultura do descarte” já estão presentes na sua população. “A Igreja, com a sua longa experiência espiritual, a sua consciência renovada sobre o valor da criação, a sua preocupação com a justiça, a sua opção pelos últimos, a sua tradição educativa… deseja, por sua vez, prestar a sua contribuição…” (60). Por enquanto, é isso.