A Quarta-Feira de Cinzas marca em toda a Santa Igreja o início do tempo da Quaresma, um tempo em que somos convidados a praticar o jejum, a penitência e a caridade. Não devemos confundir o período quaresmal com tristeza, com um ar de velório, mas muito pelo contrário, é um tempo no qual somos chamados por Deus a mudar algumas atitudes e chegarmos renovados na celebração da Páscoa. É o tempo do deserto, do encontro com o Senhor. Ela nos encaminha para a Páscoa!
Na Quarta-Feira de Cinzas, todo católico deve participar da Santa Missa e receber em sua cabeça a imposição das cinzas. O significado não é simplesmente de receber as cinzas na cabeça, mas quer nos chamar à conversão: Convertei-vos e crede no Evangelho e também dizer que do pó viemos e ao pó voltaremos. O povo do Antigo Israel para reparação de seus pecados punha cinzas na cabeça e se vestiam de saco em sinal de penitência: “No dia vinte e quatro desse sétimo mês, o povo de Israel se reuniu para jejuar a fim de mostrar a sua tristeza pelos seus pecados. Eles já haviam se separado de todos os estrangeiros. Em sinal de tristeza, vestiram roupas feitas de pano grosseiro e puseram terra na cabeça. Então se levantaram e começaram a confessar os pecados que eles e os seus antepassados haviam cometido. Durante mais ou menos três horas, a Lei do Senhor, seu Deus, foi lida para eles. E nas três horas seguintes eles confessaram os seus pecados e adoraram o Senhor” (cf. Ne 9, 1-2).
A cinza feita com a queima dos ramos secos que foram abençoados no Domingo de Ramos do ano passado quer recordar que o sinal de nossa vida cristã e de nossa profissão de fé precisa ser renovado. Aliás, serão muitos os sinais que nos serão tirados durante a quaresma e que só retornarão a partir da semana santa, culminando com a renovação das promessas batismais na noite da Vigília Pascal.
A Igreja no Brasil com a Quarta-feira de Cinzas também inicia a Campanha da Fraternidade, que é uma forma de tomarmos consciência de situações de pecados que tem repercussão no social e nos chama à conversão, além de toda a mudança de vida que nós somos chamados a vivenciar neste tempo favorável de jejum e penitência. Na Campanha da Fraternidade todo ano é escolhido um tema social, onde somos chamados a viver e pô-lo em prática como um gesto concreto durante o período quaresmal. Um tema que alerta a todos nós católicas, mas também a nossa sociedade e os nossos governantes para olharem por aqueles que mais sofrem e que estão feridos em sua dignidade. Neste ano de 2020, o tema da Campanha da Fraternidade é: Fraternidade e Vida – Dom e compromisso, e o lema, “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (cf. Lc 10,33-34). Somos convidados a partir deste tema e deste lema a cuidar daqueles que estão feridos, esquecidos pela sociedade, que ninguém cuida, que as pessoas fingem que vê e não vê, passam adiante. Somos convidados a sermos bons samaritanos para essas pessoas e cuidar daqueles que se encontram feridos.
A intenção ao iniciar a Quaresma impondo cinzas em nossas cabeças é levar-nos ao arrependimento dos pecados, marcando o início da Quaresma, é fazer-nos lembrar de que não podemos nos apegar a esta vida, achando que a felicidade plena possa ser construída aqui. É uma ilusão perigosa. A morada definitiva é o céu.
Ao celebrarmos a Quarta-Feira de Cinzas iniciamos o tempo que tem como símbolo o número 40 como encontramos em tantas outras situações do povo de Deus: mas, de modo especial, recordamos os quarenta dias que Jesus passou no deserto, sendo tentado por Satanás (iremos ouvir esse texto no primeiro domingo da quaresma). Somos convidados a vencermos as tentações do mal no dia a dia, assim como Jesus conseguiu vencer. É o que período quaresmal nos convida a vencer as tentações e procurar mudar de vida.
Recordamos, também, os 40 anos de peregrinação do Povo de Israel no deserto, até chegar na Terra Prometida, recordando-nos assim que a nossa vida é um caminhar (sair das escravidões de nossas vidas e caminhar para a vida da graça). Cada ano renovamos essa passagem pelo deserto até chegar na Terra em que corre leite e mel. E para nós cristãos, peregrinamos aqui na Terra rumo ao Céu, onde nos encontraremos definitivamente com Deus e aguardaremos a ressurreição assim como Jesus.
Isso nos mostra que a vida está em nós, mas não é nossa. Quando vemos uma bela rosa murchar, é como se ela estivesse nos dizendo que a beleza está nela, mas não lhe pertence.
Com a celebração da Quarta-Feira de Cinzas, somos convidados a refletir que desta vida não levaremos nada, não adianta acumularmos riquezas, rancor ou ódio, ou mesmo revanchismos. Não levaremos nada daqui, mas somente o amor, a misericórdia e a compaixão, que demonstraremos aos nossos irmãos. Somente o bem que aqui plantamos e vamos colher no céu. Definitivamente, nos recorda que do pó viemos e ao pó voltaremos, por isso: convertei-vos e crede no Evangelho. Que a nossa vida não nos pertence, mas pertence a Deus.
Na Quarta-Feira de Cinzas e durante o tempo quaresmal, na liturgia, não se canta e nem recita o Hino do Glória e nem o Aleluia que só retomaremos (salvado exceções), com alegria e entusiasmo na Vigília Pascal, na Noite Santa da Ressurreição do Senhor, porque assim entramos no sentido espiritual que esse tempo nos convida. Portanto, vivenciamos a Quaresma como um tempo voltado para a oração, a penitência e o jejum. O sacerdote durante esse tempo usa o paramento na cor roxa, chamando-nos a atenção para fazermos penitência. Há dois momentos durante o ano em que a Igreja nos exorta a fazer uma boa confissão, que é na Quaresma e no Advento. Para nos preparar para duas grandes celebrações da nossa fé – Páscoa e Natal. É claro isso é mínimo, pois somos convidados a, em outros momentos do ano, nos confessarmos, mas esses são dois momentos fortes e propícios para isso.
Esmola, jejum e oração: tripé da espiritualidade quaresmal. Estas três palavras são propostas como características da espiritualidade da quaresma: esmola, jejum e oração. A oração sobretudo deve animar a espiritualidade da Quaresma. Uma oração feita no silêncio do próprio quarto, da interioridade para meditar a Palavra, para deixar que a Palavra compenetre e transforme a nossa vida. E então, seremos capazes de jejum. A oração em que pedimos que o Senhor venha ao nosso encontro, venha iluminar nosso itinerário quaresmal, para uma profunda conversão. Lembrando que não é só jejum da carne, dos alimentos, mas de palavras inúteis, do uso do celular em excesso, do uso das redes sociais em excesso, um jejum de multiplicar as fake news. A dimensão da esmola que se torna sensibilidade social, atenção aos mais pobres e solidariedade.
A Quaresma é um tempo favorável para que nós melhoremos como cristãos e como cidadãos. Só iremos melhorar olhando para o Senhor Jesus que nos amou até dar a sua vida, que preparou a sua missão como os grandes profetas, como o seu povo lá no deserto, purificando-se, orando e entrando em diálogo com o Pai.
Por fim, no início do tempo quaresmal somos chamados a nos abster de carne vermelha, para assim nos lembrarmos do sacrifício de Cristo na Cruz por nós, com jejum e abstinência de carne na Quarta-Feira de Cinzas e na Sexta-Feira Santa. Porém em toda a quaresma (com exceção dos domingos), em especial às sextas feiras somos chamados a um tempo de penitência.
Que Deus nos abençoe para iniciarmos com a Quarta-Feira de Cinzas uma boa preparação para a Páscoa, com o período Quaresmal. Que Maria interceda para que entendamos bem o significado deste tempo para as nossas vidas. E com ele, aprendamos a amar mais os nossos semelhantes, principalmente, aqueles que mais sofrem, sendo “Bons Samaritanos e cuidando das feridas daqueles que se encontram doentes”.