Quando o assunto é polêmico, a prudência nos ensina a aprofundá-lo com pés de pato. Explico melhor: esse bípede nadador navega em águas profundas com suavidade e elegância, apenas flutuando, sem maiores percalços, sem riscos à sua integridade. Vá fazer o mesmo um galo de terreiro, que muito cisca, muito canta, mas procura abrigo a qualquer trovoada, ao menor chuvisqueiro! Afunda antes de cantar três vezes. Então tá, vamos ao assunto: na sacristia, quem manda mais… O padre ou o sacristão?
A pergunta é pertinaz ao Ano do Laicato, quando a Igreja nos oferece oportunidades para refletir, analisar, debater e questionar a função do leigo no processo de evangelização, na vida da Igreja. Aos que atuam diretamente e com mais fervor nessa obra, comumente, são ironicamente taxados como “ratos de sacristia”, “papa-hóstias”, “coroinhas do padre”, ou algo assim. Basta um engajamento maior de um leigo na igreja para ser visto como um “ET” social. O próprio laicato é excludente, preconceituoso. Não aceita com naturalidade funções religiosas nos ombros de um leigo.
Por outro lado, aqueles que melhor se conscientizam sobre esse direito/dever que os ensinamentos de Cristo lhes apontam, pessoalmente, como revelação evidente de uma missão a cumprir, uma tarefa que se deve levar a termo com suas próprias capacidades ou limitações, ora, ora… deixem-nos passar, não tentem barrar seus caminhos. Leigo conscientizado de seus deveres ninguém segura, nem padre, nem bispo. A partir da sacristia, dos ministérios que recebe, da experiência de um apostolado profundo, questionador, tête-à-tête com a pessoa de Cristo, o magistério de sua Igreja, o leigo descobre a importância de sua missão. Essa descoberta não está acima da missão sacerdotal, mas também não fica abaixo desta. Ambas se equiparam em importância e exercem o mesmo poder, a mesma função. Aqui ecoa a pergunta dos discípulos: “Quem é o maior?”. E a resposta contundente: “Aquele que faz a vontade do meu Pai”. Ou então: aquele que serve.
Essa guerra surda entre ministros leigos ou eclesiásticos é uma batalha de incoerência evangélica. Exceto por sua importância ministerial e função pastoral de referência sagrada, nenhum sacerdote é o centro de uma vida comunitária ou eclesial. Bem como nenhum leigo pode tomar para si as atribuições únicas e exclusivas da função sacerdotal. Mas ambos possuem o múnus sacerdotal herdados do ministério de Cristo. Esse é o verdadeiro domínio da fé, o poder que nos foi dado a partir do batismo. Eis porque a autoridade da Igreja não vem dos conchavos de suas sacristias, mas das revelações de suas pias batismais, estas que nos inserem na vida, na ação, na função e na missão evangelizadora do único e eterno sacerdote, Cristo Jesus.
O sacristão tem a chave da Igreja. O padre, por sucessão apostólica, a chave do Céu. Mas nem o padre, nem o sacristão, nem bispos ou leigos, ninguém terá domínio sobre a Igreja ou acesso às glórias celestiais sem as chaves da tolerância, respeito e compreensão à missão que lhes compete. Cada qual no seu chão, cada um na sua vocação, recebem do Batismo a “concessão” para exercerem com autoridade um ministério de amor nesta vinha, o mundo onde Deus o colocou. Diria S. João Paulo II (Christifideles Laici): “Trabalhadores da vinha são todos os membros do povo de Deus… todos simultaneamente objeto e sujeito da comunhão da Igreja e da participação na sua missão de salvação”. Sejam estes padres, religiosos, sacristãos ou leigos. Patos ou galos.