“A violência é o maior desafio do mundo hoje. De um lado, a intolerância, a segregação, o ódio tanto tempo acumulado; de outro, e este é o nosso caso, a cruel desigualdade social, o abismo entre as classes”, afirma a filósofa e psicóloga Viviane Mosé (1).
Cinquenta e oito mil quinhentos e cinquenta e nove brasileiros foram assassinados no país em 2014. Sete pessoas por hora. A polícia matou oito pessoas por dia. Números aterradores como esses, contidos no 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em outubro de 2015, não chegaram às manchetes. Foram ofuscados pela turbulência política. Mas, acima de tudo, pelo fato de estarmos, como nação, adormecidos para a gravidade do que eles representam. Por não compreendermos o que esses números traduzem. Todos os anos são publicados levantamentos independentes sobre o quanto se mata no Brasil. O anuário, por exemplo, é feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o FBSP, uma organização não governamental.
Quem tenta como eles, compilar quantos são nossos mortos tem de montar um quebra-cabeça de informações que vêm de diferentes fontes oficiais, principalmente do Sistema Único de Saúde e das secretarias de Segurança Pública dos Estados. É um esforço tremendo. “O Brasil não carece de dados. As polícias têm esses números. O que nós não temos são informações. A sociedade não tem clareza sobre o significado desses números”, diz Renato Sérgio de Lima, vice-presidente do Conselho de Administração do FBSP (2).
LINCHAMENTO
“Todos os dias uma pessoa – quase sempre negra e pobre – é linchada no Brasil”. Segundo o pesquisador José de Souza Martins, cerca de um milhão de brasileiros já participaram de linchamentos ou tentativas de linchamento nos últimos 60 anos. Não surpreende, portanto, que de acordo com uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 50% da população brasileira concorde com a sentença “bandido bom é bandido morto”. Considerando a margem de erro, temos um empate. Se está dividido, temos um espaço para mudança, basta encontrar alternativas”. Explica o sociólogo Renato Sérgio de Lima, vice-presidente do Fórum. “Temos um país extremamente violento, que até gasta bastante com segurança, mas isso não quer dizer que esse gasto seja revertido em uma boa situação” (3).
JOVENS PRESOS
“56% dos presos no Brasil são jovens. Foi o que apontou o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias” (Infopen), divulgado em junho de 2015 pelo Ministério da Justiça. Segundo o órgão, os presos são, em sua maioria, jovens entre 18 e 29 anos.
A cientista política americana Linda Gibbs, especialista em trabalhar com jovens infratores diz: “O foco é evitar qualquer risco maior à segurança pública e melhorar, ao mesmo tempo, a perspectiva para a vida do jovem. A melhora na formação da força de trabalho aliada a estratégia de combate à pobreza e aprimorar a educação. São os maiores componentes e universalmente verdadeiros” (4).
Uma pessoa é estuprada no Brasil a cada 11 minutos. Segundo dados oficiais das secretarias estaduais de Segurança, coletados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número inclui também os estupros de vulnerável e crime cometido contra menores de 14 anos. De acordo com os dados, só no ano de 2014 ocorreram 47.646 casos no País (5).
CONCLUSÃO
A violência econômica contra os pobres, a corrupção contra tudo e contra todos arrasam a sociedade terrivelmente. Quando é estalada uma crise financeiro-econômica a brutalidade é muito maior sobre os pobres.
É bom lembrar a frase da intelectual filósofa alemã Hannah Arendt, diz que “ser pobre é não ter direitos, não ter direitos a ter direitos”. Precisamos acabar com essa forma de violência. Não é possível que haja seres humanos sem direitos respeitados e sua dignidade violentada.
O nosso mundo vive assim: “poucos e bilionários desfrutam luxuosamente da maior parte da riqueza do planeta e a outra parte que é a maior absolutamente pobre vive em condições desumanas”.
O império da violência implantou a cultura de morte numa sociedade hipócrita, líquida, boçal e viciada. Impera hoje de forma avassaladora a violência do terrorismo, das drogas e das guerras. O império da violência é montado no lucro da miserabilidade humana, na impunidade jurídica e na promiscuidade do Estado, no entanto cabe a cada cidadão ter a consciência de não cair na armadilha do sistema, trabalhar para desarticular, descontruir esse império e ser coerente na atitude da proteção da vida, da paz, da justiça, da liberdade e da democracia.
Pe. Inácio José do Vale
Professor, escritor e conferencista
Sociólogo em Ciência da Religião
Religioso-Irmãozinho da Visitação de Charles de Foucauld
E-mail: pe.inacio.jose@gmail.com
Notas:
(1) O Globo – Rio. 29/11/2015, p.16.
(2) Época, 12/10/2015, p.48.
(3) Galileu, fevereiro de 2016, p.44.
(4) O Globo, 29/06/2015, p.2.
(5) Folha Universal, 01/11/2015, p.13.