A nossa arquidiocese lançou em outubro, um livro sobre a pastoral do menor, organizado por uma das fundadoras, Maria Christina Noronha de Sá, que junto com o nosso antecessor D. Eugênio de Araujo Sales recorda dos inícios em uma noite de natal, após a missa “do galo”. É uma narrativa emocionante que depois vai ganhando corpo até se tornar o belo trabalho de hoje.
A Pastoral do Menor, foi fundada em 1984 no Rio de Janeiro, celebra em 2024 seus 40 anos de existência, marcando uma trajetória de luta pelos direitos e pela dignidade das crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Essa pastoral foi uma resposta às condições de pobreza, exclusão e violência enfrentadas por menores de idade, especialmente nas periferias e favelas do Rio de Janeiro. Sua missão, desde o início, foi defender os direitos humanos e proporcionar oportunidades de desenvolvimento para aqueles que vivem à margem da sociedade.
A década de 1980 no Brasil foi marcada por profundas crises sociais e econômicas, agravadas pelo processo de transição para a democracia. O aumento da pobreza, a desigualdade social e a violência urbana atingiram de forma especialmente dura as crianças e adolescentes das camadas mais vulneráveis da população. Nas grandes cidades, como o Rio de Janeiro, o fenômeno das crianças em situação de rua começou a se tornar alarmante, e a sociedade passou a se deparar com o abandono, a exploração e a criminalização da juventude.
Nesse contexto, a Pastoral do Menor nasceu como uma iniciativa da Igreja Católica, influenciada pelo compromisso cristão com os marginalizados. Seu objetivo era proporcionar uma resposta efetiva à exclusão social das crianças e adolescentes, oferecendo a eles proteção, dignidade e oportunidades de transformação social. A fundação da pastoral foi inspirada pelo desejo de atuar diretamente nas periferias, onde o Estado muitas vezes se mostrava ausente, deixando um vácuo de proteção social.
A partir de sua criação, a Pastoral do Menor passou a desenvolver uma série de ações voltadas para a promoção dos direitos da criança e do adolescente, em consonância com a Doutrina Social da Igreja e os princípios da Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela ONU em 1989. Em um momento em que o Brasil começava a discutir a construção de uma nova ordem democrática e a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Pastoral do Menor foi uma das vozes que ajudaram a consolidar a ideia de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, e não meros objetos de tutela.
Desde sua criação, a Pastoral do Menor no Rio de Janeiro desenvolveu uma ampla gama de programas e projetos voltados para a defesa e promoção dos direitos das crianças e adolescentes em situação de risco. Suas ações se dividem em várias frentes, que incluem educação, acolhimento, saúde, cultura e defesa de direitos.
Um dos primeiros eixos de atuação da pastoral foi o acolhimento de crianças e adolescentes em situação de rua, violência ou abandono. Através de parcerias com abrigos e casas de acolhimento (naquela época a legislação permitia), a pastoral buscou oferecer um ambiente seguro e afetivo, onde os menores pudessem se reestruturar emocional e psicologicamente. O acolhimento não é visto apenas como uma solução emergencial, mas como um ponto de partida para a reintegração familiar e social dos atendidos. Sabemos que hoje está tudo muito diferente, e o estado que chama para si essas reponsabilidades não consegue dar conta da missão.
A Pastoral do Menor sempre teve uma forte preocupação com a educação como instrumento de libertação e oportunidades. Muitos dos projetos desenvolvidos pela pastoral visam proporcionar a crianças e adolescentes o acesso à educação de qualidade, com atividades de reforço escolar, educação de valores e inclusão em programas profissionalizantes. A formação integral das crianças e adolescentes é uma das bases de seu trabalho, buscando formar cidadãos conscientes de seus direitos e deveres.
Para os adolescentes em situação de vulnerabilidade, a inserção no mercado de trabalho é vista como uma das formas mais importantes de romper o ciclo de pobreza e exclusão. A Pastoral do Menor desenvolveu programas de capacitação profissional que ajudam jovens a adquirirem habilidades técnicas e comportamentais necessárias para o mercado de trabalho. Cursos de informática, artesanato, culinária e outras áreas são oferecidos, além de parcerias com empresas que facilitam o acesso a estágios e ao primeiro emprego.
Ao longo dos anos, a pastoral também assumiu um papel defesa: apoiando a implementação de políticas públicas que garantissem os direitos das crianças e adolescentes. A Pastoral do Menor participou ativamente da elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), promulgado em 1990, que foi um marco na legislação brasileira ao reconhecer crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e ao estabelecer um sistema de proteção integral.
A pastoral também atua de forma intensa na denúncia de violações de direitos e no acompanhamento de casos de abuso, violência e exploração infantil. Através de redes de proteção e parcerias com órgãos públicos, busca-se garantir que cada criança e adolescente tenha acesso à justiça e à reparação de seus direitos violados.
A cultura e o esporte sempre foram vistos como ferramentas poderosas de inclusão e transformação social. A Pastoral do Menor promove diversas atividades culturais, como teatro, dança e música, que ajudam crianças e adolescentes a expressarem sua criatividade e a desenvolverem habilidades sociais. O esporte, por sua vez, tem sido uma importante via para a socialização e a promoção da saúde física e mental dos jovens atendidos.
Ao longo de suas quatro décadas de atuação, a Pastoral do Menor no Rio de Janeiro enfrentou inúmeros desafios, muitos dos quais estão relacionados ao contexto de violência urbana, exclusão social e à ausência de políticas públicas eficazes para a proteção de crianças e adolescentes. A situação das favelas e periferias cariocas, marcada por altas taxas de criminalidade, tráfico de drogas e atuação de milícias, representa um ambiente de extremo risco para jovens em situação de vulnerabilidade.
Ainda assim, a pastoral tem conseguido avanços importantes, especialmente no fortalecimento das redes de proteção infantil e na conscientização da sociedade sobre a importância de garantir os direitos das crianças e adolescentes. A atuação em parceria com outras entidades civis, ONGs, escolas e o sistema de justiça tem sido fundamental para a ampliação do alcance de suas ações.
Um dos grandes marcos desse período foi a participação ativa na implementação do Sistema de Garantia de Direitos, que articula diferentes setores – como o Conselho Tutelar, Ministério Público, Defensoria Pública e organizações da sociedade civil – para a proteção integral das crianças e adolescentes.
Em 2024, ao completar 40 anos, a Pastoral do Menor continua a ser um dos pilares na luta pela dignidade e pelos direitos das crianças e adolescentes no Rio de Janeiro. Sua atuação vai além das questões de assistência imediata, envolvendo-se diretamente em debates políticos e sociais sobre a infância no Brasil. Ao longo das últimas décadas, a pastoral ajudou a formar uma geração de jovens conscientes de seus direitos e capazes de lutar por um futuro melhor
A celebração dos 40 anos da Pastoral do Menor é um momento não apenas para olhar para o passado, mas também para refletir sobre os desafios que ainda estão por vir. A desigualdade social e a violência continuam sendo problemas graves na cidade do Rio de Janeiro, e a missão de proteger as crianças e adolescentes é mais relevante do que nunca. A pastoral permanece comprometida com sua visão de uma sociedade mais justa e inclusiva, onde cada criança possa crescer com dignidade, segurança e oportunidades reais de desenvolvimento.
Com uma trajetória marcada por lutas, conquistas e o compromisso inabalável com a defesa dos mais vulneráveis, a Pastoral do Menor se consolidou como uma força fundamental na promoção dos direitos das crianças e adolescentes no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro. Ao celebrar seus 40 anos de atuação, a pastoral renova seu compromisso com a construção de uma sociedade mais humana, onde a infância seja respeitada e valorizada em sua plenitude. Que Deus siga protegendo, abençoando e guardando nossas crianças, jovens e todos os que se empenham nesse importante trabalho em função do bem comum e da conservação da vida e dignidade desses nossos irmãos vulneráveis.