Voltemos para casa

     

    Neste 24º Domingo do tempo comum, a palavra do Senhor vai aprofundando como é caminhar na presença de Deus. No dia 14 de setembro celebramos a exaltação da santa Cruz e no dia 15, teríamos a celebração de Nossa Senhora das Dores, mas, como é domingo, a não ser onde essa memória se torna solenidade, normalmente prevalece a celebração dominical. Na sequência dominical que a liturgia vai nos sugerindo ou na sequencia ferial (dias da semana), encontramos uma grande oportunidade de conhecer a Sagrada Escritura pouco a pouco e ir fazendo dela vida da nossa vida. É o alimento de cada dia que vai saciando a sede de eterno e de sobrenatural que trazemos dentro de nós. Que procuremos cada vez mais vivenciar, ainda mais neste mês de setembro, a presença do Senhor em sua Palavra. Neste 48º mês da Bíblia, a experiência do amor de Deus que nos impele a amar o próximo nos faz ter sede de conhecer ainda melhor a 1ª carta de João para que em Cristo, nós tenhamos vida em plenitude.

    É interessante observar como a palavra de Deus permeia abundantemente a vida Litúrgica da Igreja, estando presente em todas as celebrações litúrgicas, círculos bíblicos, reuniões de pequenas comunidades, lectio divina e tantas outras. Além dos textos, hoje temos aplicativos e muitos meios de comunicação nos colocam diante das Sagradas Escrituras, que com sua Palavra, mostra que Ele nos amou primeiro e ao nos mostrar isso, mostra que devemos também amar-nos uns aos outros.

    Neste 24º Domingo do tempo Comum, algumas parábolas bastante conhecidas são proclamadas e colocadas para que possamos aprofundar nossa relação com Deus. O famoso capítulo 15 do Evangelho segundo São Lucas temos as 3 parábolas da misericórdia Divina. É-nos apresentado o coração de Deus preocupado em salvar ou de ir ao encontro daqueles que mais necessitam, os doentes que precisam do bom médico, Jesus:

    Naquele tempo: Os publicanos e pecadores aproximavam-se de Jesus para o escutar. Os fariseus, porém, e os mestres da Lei criticavam Jesus. ‘Este homem acolhe os pecadores e faz refeição com eles.’

    Jesus aproveita da acusação feita pelos escribas e fariseus para mostrar a preocupação que tem Deus pela salvação de cada um dos homens.  O ponto mais alto desta ação é a Encarnação de Cristo, Por isso, a tradição cristã vai ver na figura do Bom Pastor do início da Parábola a figura de Cristo que, como nos recorda S. Gregório Magno, “pôs a ovelha sobre seus ombros porque, ao assumir a natureza humana, Ele mesmo carregou os nossos pecados.”

    No início da passagem, Jesus é acusado de receber os pecadores e de sentar-se à mesa com eles, a mesma acusação que logo depois o filho mais velho vai dirigir ao pai na parábola do filho pródigo. A parábola vai explicar a ação de Jesus e ensina que, ante Deus, aquele que julga acaba sendo julgado pelo mesmo motivo que julga.

    Ao se aproximarem de Jesus, os pecadores eram acolhidos, escutavam sua Palavra e acabavam por se converter. De outro lado, vinha a crítica daqueles que se consideravam mais santos e puros que os outros: a figura dos fariseus. Esta questão vai perpassar todos os séculos da Igreja: a proximidade com os pecadores vai ser sempre uma condenação dada pelos de dentro da Igreja à própria Igreja, dizendo que ela não deve se contaminar no contato com os pecadores. Infelizmente percebemos aquela barreira dos que se consideram de Deus em relação àqueles que são considerados do mundo e colocando-se de maneira superior aos outros.  A palavra do senhor vai nos mostrar que o olhar divino e o agir de Deus sobre esta realidade é bastante diferente. Jesus conta 3 parábolas: a primeira, fala de um pastor que tem 100 ovelhas e perde uma, deixando as 99 no deserto vai ao encontro daquela que se perdeu até encontrá-la. Carinho e preocupação com a ovelha que se perdeu:

    Se um de vós tem cem ovelhas e perde uma, não deixa as noventa e nove no deserto, e vai atrás daquela que se perdeu, até encontrá-la? Quando a encontra, coloca-a nos ombros com alegria,

    e, chegando a casa, reúne os amigos e vizinhos, e diz: ‘Alegrai-vos comigo! Encontrei a minha ovelha que estava perdida!’

    Eu vos digo: Assim haverá no céu mais alegria por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão.

    Assim como Jesus, a Igreja se alegra quando um pecador se volta para Deus. A imagem da ovelha colocada nos ombros pelo pastor nos faz lembrar o sacerdote que, ao colocar sobre os ombros a estola para celebrar o sacramento da reconciliação, faz-se instrumento dessa volta à Comunhão com Deus. O palio que os arcebispos utilizam serve também para recordar essa realidade da volta para Deus da ovelha perdida. A iconografia cristã, desde os afrescos e pinturas das catacumbas, com frequência traz a figura de Jesus como o bom pastor que leva a ovelha sob seus ombros. Jesus veio procurar e buscar o que estava perdido.

    Jesus faz uma outra comparação, agora retirada do contexto das atividades domésticas:

    E se uma mulher tem dez moedas de prata e perde uma, não acende uma lâmpada, varre a casa e a procura cuidadosamente, até encontrá-la?  Quando a encontra, reúne as amigas e vizinhas, e diz: ‘Alegrai-vos comigo! Encontrei a moeda que tinha perdido!’

    Por isso, eu vos digo, haverá alegria entre os anjos de Deus por um só pecador que se converte.’ Ante a repreensão dos fariseus por conta da proximidade com os pecadores, Jesus fala da alegria nos céus por aquele que se converte e volta para Deus. Uma dracma corresponderia hoje a mais ou menos de 50 a 70 reais. É curioso ver que, humanamente falando, daria mais trabalho reunir e chamar as vizinhas para comemorar do que procurar a dracma perdida. Mas exatamente aí está o ensinamento de Jesus: a lógica de Deus supera a lógica reduzida do ser humano, pois “O Senhor não vê como o homem: o homem vê a aparência, mas o Senhor vê o coração.” (1 Sam 16,7).

    Logo após vem a famosa parábola do filho pródigo ou do pai misericordioso: Um homem tinha dois filhos. O filho mais novo disse ao pai: ‘Pai, dá-me a parte da herança que me cabe’. E o pai dividiu os bens entre eles.

    O filho mais novo sai de casa e vai gastar os bens recebidos em herança, enquanto o filho mais velho fica em casa. Após estar sozinho e ter esbanjado tudo, vai trabalhar em uma profissão abominável para os judeus, o cuidado dos porcos, não podendo nem mesmo comer a comida que era dada aos porcos. Caindo em si, decide voltar para o abraço do pai, querendo simplesmente a graça de ser tratado com um dos seus empregados. Assim, volta para casa, sendo recebido de braços abertos e tendo devolvida a dignidade de filho: anel no dedo, sandália nos pés e manda até matar o novilho mais gordo. Mostra o coração do pai que quer o melhor para o filho que volta para casa, assim como a ovelha perdida e a moeda perdida nas outras parábolas.

    Porém, não podemos deixar de citar a figura do irmão mais velho que está em casa e pode ser comparado aos fariseus que estavam ali criticando Jesus e reclamando de sua proximidade com os pecadores. O filho mais velho poderia ter desfrutado de tudo o que o que pertence ao Pai, mas preferiu o caminho do lamento. A tarefa da Igreja é a de acolher os filhos dispersos que voltam para casa, pois Cristo veio salvar e procurar o que estava perdido, anunciando a palavra de Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador. Comentando esta passagem, o Papa Francisco, na audiência do dia 11 de maio do ano de 2016, assim diz: “ Jesus não descreve um pai ofendido e ressentido, um pai que, por exemplo, diz ao filho: ‘Você vai me pagar’: não, o pai o abraça, o espera com amor. Ao contrário, a única coisa que o pai tem no coração é que este filho está diante dele são e salvo e isto o faz feliz e faz festa. O abraço e o beijo de seu pai o faz entender que sempre foi considerado filho, apesar de tudo. É importante este ensinamento de Jesus: a nossa condição de filhos de Deus é fruto do amor do coração do Pai; não depende de nossos méritos ou de nossas ações, e, portanto, ninguém pode tirá-la, nem mesmo o diabo! Ninguém pode nos tirar esta dignidade. Em qualquer situação da vida, não deve esquecer que não deixarei jamais de ser filho de um Pai que me ama e espera o meu retorno. Mesmo na situação mais feia da vida, Deus me espera, Deus quer me abraçar, Deus me espera.”

    Na riqueza abundante da Palavra de Deus as outras leituras deste domingo (Ex 32,7-11.13-14 e 1Tm 1,12-17) continuam a exortar para a possibilidade da conversão e da volta para Deus. No livro do Êxodo aparece o episódio do bezerro de ouro:

    Naqueles dias: O Senhor falou a Moisés: ‘Vai, desce, pois corrompeu-se o teu povo, que tiraste da terra do Egito. Bem depressa desviaram-se do caminho que lhes prescrevi. Fizeram para si um bezerro de metal fundido, inclinaram-se em adoração diante dele e ofereceram-lhe sacrifícios, dizendo: `Estes são os teus deuses, Israel, que te fizeram sair do Egito!’ ‘

    Em seguida vai apresentando a intercessão de Moisés em relação ao povo ante a iminência de um castigo divino:

    Moisés, porém, suplicava ao Senhor seu Deus, dizendo: ‘Por que, ó Senhor, se inflama a tua cólera contra o teu povo, que fizeste sair do Egito com grande poder e mão forte? Lembra-te de teus servos Abraão, Isaac e Israel, com os quais te comprometeste, por juramento, dizendo: ‘Tornarei os vossos descendentes tão numerosos como as estrelas do céu; e toda esta terra de que vos falei, eu a darei aos vossos descendentes como herança para sempre’ ‘. E o Senhor desistiu do mal que havia ameaçado fazer ao seu povo.

    A partir do diálogo com Deus aparece a oportunidade de um novo recomeço e do perdão. Recomeçar e perdoar sempre fazem parte da dinâmica da ação de Deus em meio aos homens. Isso mesmo vai ser relatado na Carta de S Paulo a Timóteo (1Tm 1,12-17), onde ele mesmo vai contar essa experiência do perdão de Deus que não tem limites:

    Agradeço àquele que me deu força, Cristo Jesus, nosso Senhor,

    pela confiança que teve em mim ao designar-me para o seu serviço, a mim, que antes blasfemava, perseguia e insultava. Mas encontrei misericórdia, porque agia com a ignorância de quem não tem fé.

    Transbordou a graça de nosso Senhor com a fé e o amor que há em Cristo Jesus. Segura e digna de ser acolhida por todos

    é esta palavra: Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores.

    E eu sou o primeiro deles! Por isso encontrei misericórdia,

    para que em mim, como primeiro, Cristo Jesus demonstrasse

    toda a grandeza de seu coração; ele fez de mim um modelo

    de todos os que crerem nele para alcançar a vida eterna.

    A Palavra de Deus neste domingo fala da alegria daqueles que voltam para casa, da missão da Igreja de anunciar o Evangelho da Misericórdia. Quando alguém corresponde a esse chamado, devemos acolher e dar uma nova vida e uma nova oportunidade de recomeçar: assim é a ovelha perdida, assim é a moeda perdida, assim é o filho arrependido que volta ao abraço do pai, assim é o povo de Deus que tinha idolatrado em meio ao deserto, assim é o perseguidor Saulo convertido pela graça do Evangelho.

    Sem aproximação e evangelização não há conversão. Que ouçamos atentamente esta palavra e nos deixemos conduzir por ela.

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