Santos e Demôios

    Papa Francisco encerra sua carta “Alegrai-vos e Exultai” com um capítulo desafiador. Exorta-nos à luta, vigilância e discernimento contra as ciladas que Satanás nos arma. “A vida cristã é uma luta permanente. Requer-se força e coragem para resistir às tentações do demônio e anunciar o Evangelho” (158), diz no início de seu quinto capítulo. Ora, como ter presente esse discernimento contra o mal se muitos de nós, hoje, sequer acreditam na existência do Demônio? Essa é uma das maiores pedras de tropeço na caminhada da fé.

    “Não se trata apenas de uma luta contra o mundo e a mentalidade humana” (159), pois que as distorções doutrinárias ou de ordem comportamental são, por si mesmas, obras demoníacas. “É verdade que os autores bíblicos tinham uma bagagem conceitual limitada para expressar algumas realidades e que, nos tempos de Jesus, podia se confundir uma epilepsia com possessão”, mas a própria oração que Ele nos ensinou pede ao Pai que nos livre do Mal, do Maligno. “Indica um ser pessoal que nos atormenta. Jesus ensinou-nos a pedir cada dia esta libertação para que o seu poder não nos domine” (160).

    Mais explicitamente, o Papa nos lembra a exortação aos Efésios (6,11), quando o apóstolo convidava a todos a resistir “contra as maquinações do diabo”. Lembremo-nos que a inveja das graças a nós derramadas e da predileção de Deus pela raça humana é a grande razão da ação demoníaca. “Não se trata de palavras poéticas, porque o nosso caminho para a santidade é também uma luta constante. Quem não quiser reconhecê-lo, ver-se-á exposto ao fracasso ou à mediocridade”. E acrescenta: “Se nos descuidarmos, facilmente nos seduzirão as falsas promessas do mal” (162).

    O santo vive em alerta. Contra tentações externas e contra as próprias fraquezas. É um guerreiro constante. Porque conhece os limites que tem, o chão em que pisa, as trevas que anuviam seu espírito, sua consciência de Deus. “Ninguém resiste, se escolhe arrastar-se em ponto morto, se se contenta com pouco, se deixa de sonhar com a oferta de maior dedicação ao Senhor” (163), diz o Papa. Esse é o grande segredo da santificação, a prontidão e obediência à voz de Deus em seu coração.

    O santo não se corrompe. A corrupção está em voga, toma conta do mundo. Quer um sorvete ou um doce dado a uma criança em troca de um favor, quer a propina ao guarda, fiscal ou supervisor de serviços, quer o mar de lama que hoje afunda a vida político-partidária, qualquer ação que vise benefícios pessoais ou corporativos é ação demoníaca. Porém, dentre estas, “a corrupção espiritual é pior que a queda dum pecador” (165). Como reconhecê-la? “A única forma é o discernimento…. Hoje em dia  tornou-se particularmente necessária a capacidade de discernimento, porque a vida atual oferece enormes possibilidades de ação e distração, sendo-nos apresentadas pelo mundo como se fossem todas válidas e boas” (167). Eis um dom sobrenatural. “É verdade que o discernimento espiritual não exclui as contribuições de sabedorias humanas, existenciais, psicológicas, sociológicas ou morais; mas transcende-as” (170).

    Chegamos ao ponto crítico de uma inusitada proposta: é possível ser santo neste mundo corrompido? Não, possível não, mas obrigatório. Se nossa vida cristã deseja verdadeiramente um mundo novo, temos que nos santificar. Purificar-nos nas promessas de Cristo. “Somente quem está disposto a escutar é que tem a liberdade de renunciar ao seu ponto de vista parcial e insuficiente, aos seus hábitos, aos seus esquemas” (172) e permitir que Deus aja em seu coração. Isso é o mínimo. “Condição essencial para avançar no discernimento é educar-se para a paciência de Deus” (174), que realiza seu projeto em nós e por nós, a seu tempo e no devido momento. Da nossa parte, “é necessário pedir ao Espírito Santo que nos liberte e expulse aquele medo que nos leva a negar-Lhe a entrada nalguns aspectos da nossa vida” (175), que “infunda em nós um desejo intenso de ser santos para a maior glória de Deus” (177).

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