Os sonhos do Faraó

    Em tempos de crise não há como não se pensar ou falar das vacas magras. E, preocupantemente, dos seus sete anos de dominação e devastação sobre as pastagens terrenas. A história é velha. Está no primeiro livro bíblico, ilustrando um tempo de amarguras e desolação que se abateu sobre o Egito Antigo. Houve um sonho, uma espécie de premonição que deixou preocupado o próprio faraó, por não entender com clareza o significado do próprio sonho.
    Nas prisões do império estava um injustiçado, um pobre escravo traído e vendido pelos irmãos, que nada mais fazia a não ser aguardar os desígnios de Deus sobre sua vida. Atento à sua voz interpretava os sinais dos tempos e esforçava-se para decifrar seus mistérios. Eis que essa sua faculdade de sintonia com os mistérios chegou aos ouvidos do faraó, cujos sonhos nenhum mágico ou sábio do Egito conseguia lhe dar uma explicação convincente. Sete vacas magras devoravam sete vacas gordas; sete espigas magras e ressequidas devoravam outras sete grossas e cheias.
    As explicações de José, o jovem prisioneiro esquecido nas prisões, convenceram o faraó: teriam pela frente sete anos de fartura e bonança, que seriam sucedidos por mais sete de muita fome, escassez na lavoura e nos meios produtivos, que poriam em risco não só o império, mas toda uma vasta região da Terra. Era preciso encher os celeiros, economizar ao menos metade dos anos de prosperidade e assim vencer os anos de dificuldades. Ah, bendito José, tornou-se o primeiro ministro de um país que soube se precaver! “Tendo acabado os sete anos de abundância que houve no Egito, os sete anos de miséria começaram, assim como o tinha predito José. A fome assolou todos os países, mas havia pão em toda a terra do Egito” (Gen 41, 53-54). 
    Acontece que, em tempos de vacas gordas, engorda-se também a ambição. Não há cegueira maior que o ofuscamento do poder, do prazer, da vida fácil e benfazeja. A voz profética da ponderação e da prudência é soterrada nas prisões do comodismo, do individualismo. “Vamos comer e beber, nos fartar com as alegrias do mundo e suas riquezas, enquanto podemos, enquanto ainda é tempo!” – pensam aqueles que se julgam senhores e diretores do lucro fácil, da colheita sem muito esforço. Afundam-se e se esbaldam com os resultados de um trabalho abençoado, fruto positivo de um esforço em conjunto, nunca mérito apenas pessoal, individual. Colheita farta é dádiva dos céus. Sem usá-la com critérios, partilha justa e reservas futuras, torna-se fonte de discórdias, principio de maldições.
    O que era bênção, fonte de alegria, se transforma. O ouro vira pó. Da rosa sobram os espinhos. A figueira secou, a fonte idem. Ou, como bem disse um político brasileiro: “Não se tira leite de vaca morta”. “Então, o que diremos” – perguntava sempre o apóstolo Paulo diante dos impasses. Uma de suas clássicas respostas sobrepuja qualquer momento de dificuldades terrenas: “Se Deus é por nós, quem será contra nós”. Seja qual o momento que atravessamos, de vacas gordas ou magras, tenhamos sempre presente a proteção e predileção divina por seu povo amado. Dificuldades existem e existirão sempre. Faz parte dessa travessia. Ouro puro, pedra preciosa só serão valiosos quando moldados no fogo, lapidados pela paciência do bom artesão e colocados no tesouro do bem comum. Tal riqueza desconhece os dissabores das crises mundanas. Porque essas passam com o tempo, mas nos celeiros do Reino prevalecem as espigas fartas e maravilhosas daqueles que se deixaram podar no tempo de privações. Apresentarão frutos em abundância na colheita definitiva. Esse é o sonho do nosso Rei.

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