Obediente até a morte

     Chegamos à Semana Santa! Num mundo complexo e instável em que vivemos, o amor e a misericórdia de Deus, celebrados e meditados de maneira tão viva nesta semana, apresentam-se como rocha firme, porto seguro em meio à liquidez das nossas relações e a nossas contingências essenciais.  Que nossas celebrações sejam anúncios de que temos um salvador que nos conhece, caminha conosco e que queremos caminhar com ele, principalmente em meio a tantas situações de injustiça, incompreensão, perseguição e medo.

    Neste Domingo de Ramos e da paixão, temos dois aspectos que podem ser destacados para uma melhor vivência desta celebração: o primeiro é a proclamação de Cristo como Senhor e Rei, mostrando nosso desejo de levar o senhorio do Senhor para nossas vidas e permanecer fiéis a ele em todos os momentos.

    O segundo aspecto seria aquele manifesto na leitura participada da paixão: uma maneira concreta de levar a todos os que participam da celebração a esta caminhada com Jesus, a refazer com Ele os passos de sua paixão e assim ir experimentando o Senhor que deu a vida por nós. Somos chamados a fazer um memorial. Não somente uma recordação de passos passados, mas uma atualização dos fatos celebrados em nossa vida de fé.

    A bênção e a procissão de Ramos (Lc 19, 28-40): não tenhamos medo de proclamar em nossa existência Jesus como Senhor. Quanto mais contradições tenhamos que enfrentar tanto mais estas nos fortaleçam em nosso caminho de Ressureição e vida nova que o senhor nos oferece. Jesus é saudado como o Rei de Israel, novo Davi, Messias que chega à Cidade de Davi! E Jesus, de fato, é Rei, é Messias! A festa é, em certo sentido, uma festa de Cristo Rei, Rei-Messias! É uma festa de exultação! Mas, estejamos atentos: Ele entra na Cidade Santa montado não num cavalo, que simboliza poder e força, mas entra num jumentinho, usado pelos pobres nos serviços mais humildes e duros. Isto tem muito a nos dizer: Jesus é o Messias, mas um messias pobre, um messias servo, que “não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos”.

    A primeira leitura da missa (Is 50, 4-7, é um dos chamados Cânticos do Servo, que serão lidos nas primeiras leituras desta semana santa. A profecia fala de um personagem singular, identificado como servo de Deus, querido por ele, predileto, e que é escolhido para realizar o plano especial de Deus. Mas esta missão é apresentada com um fato quase que contraditório: tais planos hão de passar pelo sofrimento do servo: Ofereci as costas para me baterem e as faces para me arrancarem a barba; não desviei o rosto de bofetões e cusparadas. Mas o servo não se abate por estar fortalecido em sua confiança no Senhor: Mas o Senhor Deus é meu Auxiliador, por isso não me deixei abater o ânimo. Tal personagem não teve correspondente dentro da história de Israel, de tal forma que a leitura cristológica desta passagem seria a mais adequada para reconhecer a grandeza de seu significado. Deus se entrega para sofrer pelas mãos dos homens, mas permanece firme, porque confia no Senhor.

    O salmo de resposta (Sl 21/22) a esta profecia, o sofrimento pessoal do orante vem relatado com imagens tão vivas que fazem deste salmo uma das orações de súplica mais importantes do saltério. Nosso Senhor pronunciou as primeiras palavras deste salmo quando estava cravado na cruz, manifestando que faria seus os sentimentos de confiança em Deus que estão contidos nesta oração. Tal salmo adquire um valor extraordinário quando podemos ver nele prefigurados os sentimentos de Jesus. Não sabemos o porquê o ser humano sofre. A resposta que o cristianismo dá é a de Cristo que sofreu como nós e sofre conosco. Todo o sofrimento do mundo está representado no sofrimento de Cristo, o servo sofredor.

    Na segunda leitura (Fl 2, 6-11), contemplamos um dos hinos mais importantes e mais antigos proclamado pelo cristianismo. Este hino cristológico, de valor único, proclama e canta a kenosis, o mistério do rebaixamento do Filho de Deus, seguindo o esquema descendente/ascendente da Divindade, humilhação e exaltação. Paulo, tendo presente a divindade de Cristo, centra sua atenção na morte de cruz como exemplo supremo de humildade de obediência. O Rei dos reis se rebaixa e se reveste da forma da nossa escravidão, para assim nos tornar livres.

    No Evangelho temos o primeiro relato da paixão da semana santa, contado segundo a visão de Lucas (Lc 23, 1-49). Este relato mais breve, mas mais dramático que os de Mateus e Marcos, vai preparando a narrativa de João na sexta-feira santa. Logo nos chama a atenção a sabedoria da Liturgia da Igreja, ao colocar a oportunidade de que esta proclamação seja compartilhada com toda a assembleia, mostrando que a paixão de Cristo é um resumo da vida do homem sobre a terra; que todos temos lugar ante o episódio da paixão de Cristo e que a história da paixão de Cristo é modelo e luz para nossa história. Jesus ante a indiferença de Pilatos e Herodes, caminhando para o calvário, sendo crucificado, sujeito à zombarias e ultrajes, o perdão do bom ladrão, a confissão de fé do centurião são alguns dos episódios que nos são narrados. A conduta de Jesus é apresentada como exemplo para todo o cristão: provoca a admiração do centurião, a contrição da multidão, mostra misericórdia e perdão ao consolar as mulheres, ao perdoar os que vão mata-lo e ao abrir as portas do paraíso ao bom ladrão. O papa João Paulo II assim comentava: O perdão mostra que no mundo está o amor mais forte que o pecado. O perdão é ainda a condição fundamental da reconciliação, não só na relação Deus/homem, mas também nas relações entre os homens.

    No Domingo de Ramos, quando comemoramos também a Jornada Diocesana da Juventude (em nossa Arquidiocese o fazemos no sábado anterior ao domingo de Ramos), queremos caminhar com Jesus até o Calvário e Ressuscitar com Ele para a vida plena. É o dia também da Coleta Nacional da Solidariedade quando o fruto de nossas penitências quaresmais vai ser compartilhado com tantos irmãos em situação de vulnerabilidade e que necessitam de políticas públicas para viverem com dignidade.

    Vamos participar, piedosamente, de todas as celebrações da Semana Santa.  Nós somos chamados a escolher com que atitude queremos entrar na história da Paixão de Cristo: com a atitude de Cirineu, que se coloca ao lado de Jesus, ombro a ombro, para carregar com Ele o peso da cruz; com a atitude das mulheres que choram, do centurião que bate no peito, e de Maria que fica silenciosa ao pé da cruz; ou se queremos entrar com a atitude de Judas, de Pedro, de Pilatos e daqueles que “olham de longe” para ver como irá terminar aquele episódio. Toda nossa vida é, em certo sentido, uma “semana santa” se a vivemos com coragem e fé, na espera do “oitavo dia”, que é o grande Domingo do repouso e da glória eterna.

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