O prazer da vingança

     

    Nada mais didático e atraente do que falar de prazeres. A simples menção da palavra atrai leitores. É esse o assunto mais corriqueiro, em consonância com o mundo atual, onde tudo o que se faz e se pensa visa o conforto, a satisfação, o prazer de se viver sem contratempos, sem medos, sem frustrações, sem preconceitos, sem tudo o mais que contrarie nossa vã felicidade. Isso tudo somado ao conceito de felicidade de cada indivíduo. Aqui mora o problema.

    Que conceito é esse? Se a competitividade entre indivíduos se tornou o centro dos esforços pessoais para se alcançar um objetivo de vida, passamos a viver num ninho de abutres praticantes da autofagia. Devoradores da própria espécie. Dai o famoso “cada um pra si”. Nem Deus por todos. Porque nessa história a realidade de Deus está bem distante de todos. Onde impera a competição sem um mínimo de respeito ao opositor, o prazer pela vitória tem o sabor da vingança. Essa desconhece leis de moral, ética ou qualquer tipo de comportamento social. É irmã da morte, da derrocada sem piedade que se deseja para um semelhante. O prazer dessa aparente vitória é momentâneo. Suas dores virão depois.

    Um exemplo: Para um policial a caça a bandidos é sua rotina. O mundo da criminalidade cerca sua existência dia e noite. Há vitórias e derrotas. Dia da caça e do caçador. Muitos companheiros tombam nessa guerra. Muitos bandidos também. Até que um dia um cerco fatal coloca frente a frente bandidos e policiais e num desses confrontos do acaso descobrem a presença de familiares nos grupos que se digladiam. Irmãos em ambos os lados. O que fazer? Quem vai atirar primeiro? Qual o prazer dessa vingança?

    A situação acima é meramente ilustrativa. Mas terrivelmente real. Porque nessa guerra pela sobrevivência somos semelhantes, pra não dizer irmãos… Porque não há prazer maior do que reconhecer nossas próprias fraquezas e sorrir diante delas, abraçados uns aos outros. Utopia, dirá você. Mas é isso o que constrói nossa solidariedade, fortalece nossa dignidade, nosso espírito de fraternidade. A Bíblia é implacável nesta questão: “Aquele que quer se vingar sofrerá a vingança do Senhor” (Ecle 28,1). E continua neste capítulo em clara referência ao ridículo da vingança humana contra seus semelhantes. Por exemplo: “Um homem guarda rancor contra outro homem e pede a Deus a sua cura”? Será possível tamanha contradição? Como consolar as dores de nossa alma, as feridas da nossa carne sem compreendermos as dores e feridas de alguém que sofre as mesmas agruras ao nosso lado; alguém que temos o prazer de sobrepujar com nossa força e talentos maiores? Com certeza, seria mais prazeroso ajudá-lo a superar esses limites, pois a vitória seria de ambos.

    A vingança tem a cor do pecado. Defini-la pura e simplesmente como contravenção espiritual é pouco. Porque toda ofensa a Deus é antes ofensa aos nossos semelhantes. Atinge por primeiro aqueles com os quais convivemos, para simultaneamente ferir o coração Daquele que nos fez iguais. Iguais na fragilidade de nossa existência física e realidade espiritual, como também na dignidade de nossa semelhança divina. Imagem e semelhança…., quem diria! Então, se assim o somos, não podemos alimentar desejos de vingança. Não há prazer na contemplação da derrota, da dor, da humilhação, da morte… Isso é coisa do Demônio. “Lembra-te da aliança com o Altíssimo, e passa por cima do erro que o teu próximo cometeu inadvertidamente” (28,9). Não seja você o agente da destruição, mas o paciente da construção de uma sociedade mais humana e fraterna. Assim, só assim, o prazer de se viver será mais justo e duradouro. Assim, só assim, a vingança nunca nos dará prazer, só remorsos.

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