Luz para o meu caminho

    Estamos vivendo o Mês da Bíblia: trata-se de uma iniciativa histórica da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB. Nossas comunidades eclesiais todos os anos acolhem com alegria e celebração este dinamismo profético- missionário. É o desejo de redescobrir, viver e celebrar o mês da Palavra de Deus na da vida comunitária pela animação dos círculos bíblicos e leitura orante da Palavra.

    Palavra vem do termo hebraico dabar: é a Palavra de Deus luz para nosso caminho.  Os Dez Mandamentos são também chamados em hebraico as dez palavras para indicar que eles expressam ao mesmo tempo as necessidades do amor de Deus e a ajuda que Ele dá para se comunicar e corresponder com seu povo.

    Mais do que nunca reconhecemos que existe dentro de nós esta fome e necessidade de amor. Está em cada um de nós, homens e mulheres deste tempo “pós-moderno”, a necessidade de viver em comunhão com o outro ao invés de vivermos prisioneiros da nossa solidão. Apenas um amor infinito pode satisfazer as expectativas que queima por dentro.

    Se compreendermos que a Bíblia é a carta de Deus, que fala ao íntimo de nosso coração, então poderemos nos aproximar dela com desejo de beber da água da fonte, como quem tem sede de água viva. É também como um amante, que sente desejo em ler as Palavras de sua amada, ao ler sente uma felicidade imensa.  Deus que é Pai, também falará em nosso coração.  Aprender a ouvir a voz que fala por meio da Sagrada Escritura é aprender a amar e ser amado.  A Palavra de Deus é a boa notícia contra a solidão da vida.  Portanto, ouvir as Escrituras é ouvir a voz do Senhor que liberta e salva.

    A Palavra de Deus é a sua revelação, primeiro para o Povo escolhido, o Povo de Israel, e depois em Jesus Cristo, o eterno Verbo feito carne ao novo povo de Deus. Deus fala através dos tempos e dos acontecimentos da história, Palavra e vida estão intimamente conectados. Deus mesmo se comunica com os homens por meio de sua Palavra revelada, proclamada e anunciada. A Palavra é o próprio Senhor, “como a chuva e a neve descem do céu e não retornam sem molhar a terra, assim a palavra que vai de minha boca: não voltará a mim sem efeito, sem ter feito o que eu desejo e sem ter realizado a missão para o qual eu enviei “(cf. Isaías 55,10). O Senhor diz o que ele faz e faz o que ele diz.

    No Antigo Testamento, Ele anunciou aos filhos de Israel a vinda do Messias e o estabelecimento de uma nova aliança; na Palavra feita carne cumpre suas promessas além de todas as expectativas. Primeiro e do Novo Testamento nos diz sobre a história de Seu amor por nós, de uma forma com a qual Deus educa o seu povo ao dom da aliança cumprida.  Portanto, como discípulos de Jesus, devemos amar as Escrituras Sagradas.

    “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (cf. João 1:14). O cumprimento da revelação, dom supremo do amor divino, é Jesus Cristo, o Filho de Deus feito homem por nós, a única, perfeita e definitiva Palavra do Pai, que n’Ele nos diz tudo e nos dá tudo. “Deus, que havia falado nos tempos antigos muitas vezes e de maneiras diferentes para os pais através dos profetas, ultimamente, nestes dias, ele nos falou através do Filho, que foi o herdeiro de todas as coisas e através do que o mundo também fez”(cf. Hebreus 1,1s).

    Em Jesus, os textos do Primeiro Testamento recebem sua plena significação: “Toda a Escritura é um livro, e este livro é Cristo. Quem quiser viver com Jesus deve ouvir incessantemente as Escrituras. É ela que revela o rosto do Amado, “Seu rosto, Senhor, que eu procuro: procurando o rosto de Jesus deve ser o desejo de todos nós cristãos … Se perseverarmos na busca da face do Senhor, no final da nossa peregrinação terrena, ele, Jesus, nossa alegria eterna, nossa recompensa e glória para sempre ” (cf. Papa Bento XVI, Discurso de 1 de setembro de 2006, no Santuário da Santa Face).

    O Espírito Santo, que guiou o povo escolhido inspirando os autores Sagrados, abre os corações dos crentes à inteligência do que está contido neles. No encontro com a Palavra de Deus vai viver, Deus, abrindo os olhos da mente e dando a aceitar e crer na verdade (cf. Concílio Vaticano II, Constituição sobre a Divina Revelação Dei Verbum, 5. A Igreja, criatura é a casa da Palavra).

    Para nos permitir receber fielmente a Palavra de Deus, o Senhor Jesus quis deixar-nos – juntamente com o dom do Espírito – o dom da Igreja, fundada sobre os apóstolos. Foram eles que acolheram a palavra da salvação e a entregaram aos seus sucessores como uma joia preciosa, guardada no cofre do Povo de Deus peregrino no tempo. A Igreja é o lar da Palavra, a comunidade de interpretação, garantida pela orientação dos pastores a quem Deus confiou o Seu rebanho. A leitura fiel da Escritura não é obra de navegadores solitários, mas deve ser vivida na barca de Pedro: o anúncio, a catequese, a celebração litúrgica, o estudo da teologia, meditação pessoal ou de grupo, também vive na família, a inteligência espiritual amadurecida no caminho da fé. São tantos canais que nos tornam familiares à Bíblia na vida da Igreja. É particularmente belo e frutífero meditar na Palavra de acordo com a o tempo litúrgico que nos é dado a viver, ouvi-la, proclamá-la, deixar-se iluminar para iluminar os outros é uma tarefa que diz respeito a todos nós. Cada um de acordo com o dom recebido e a responsabilidade que lhe foi confiada, com a paixão missionária, todos somos chamados a ser Igreja gerada pela Palavra e ao mesmo tempo proclama a Palavra na vida e com a vida.

    A escuta acolhedora da Palavra nos torna homens e mulheres livres. “Se permanecerdes fiel à minha palavra, serás verdadeiramente meu discípulo; conhecerás a verdade e a verdade vos libertará “(Cf. João 8, 31-32). Na Palavra, é o próprio Deus que vem ao nosso encontro e nos transforma “A palavra de Deus é viva, eficaz e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes; penetra até a divisão da alma e do espírito, das juntas e da medula e examina os sentimentos e pensamentos do coração”(cf. Hebreus 4, 12). Confiemos, então, na Palavra. Ouvindo, lendo, meditando na Palavra; prová-lo, amá-lo, celebrá-lo; viva e anuncie em palavras e ações: este é o itinerário que se abre diante de nós, a Palavra de Deus é fonte da vida.

    Uma maneira bela e simples de ouvir e meditar a Palavra, se dá através da lectio divina, ou leitura orante da Bíblia. Uma maneira de aprofundar e experimentar a beleza e profundidade da Palavra, este é um caminho, um itinerário espiritual, em vários estágios. A primeira é a lectio, isto é, a leitura propriamente dita. Ler cuidadosamente, várias vezes, uma passagem da Escritura, e pergunte a si mesmo: O que este texto me diz? Depois, passa para a meditatio, isto é a meditação, que é como uma pausa interior: reúna e pergunte a Deus: O que me dizes com estas Palavras? Coloque-se na atitude do jovem Samuel: “Fala, Senhor, que o teu servo te escuta” (cf.1 Samuel 3:10). Responda, portanto, com a oração, a oratio, endereçando-lhe assim ao Deus que fala contigo: O que posso te dizer, meu Senhor? A resposta será dada ao convidar Deus para morar no seu coração, para transformar seus pensamentos e seus passos.  E assim chegará a contemplatio, a atitude contemplativa, contemplar com o coração, deixar-se tocar pela presença de Cristo, com esta pergunta: O que devo fazer agora para fazer esta Palavra, e assim tentar vivê-la. A Escritura pode guiá-lo e acompanhá-lo nos caminhos da vida: “Sua Palavra Senhor é lâmpada para os meus passos, a luz no meu caminho,” (cf. Salmo 118 [119], 105). Às vezes pode nos parecer que a Palavra lida não nos diz nada: não devemos desanimar, voltemos a ela e invoquemos: “Senhor, dá-me vida segundo a tua Palavra” (cf. Salmo 118, 107).

    A Palavra de Deus nos torna capazes de amar. O amor é o fruto que vem da verdadeira escuta da Palavra: “Sede daqueles – adverte São Tiago – que põem em prática a palavra e não apenas ouvintes, iludindo-se” (cf. Tiago 1,22). Aqueles que se deixam iluminar pela Palavra sabem que o sentido da vida não consiste em voltar-se para si mesmo, mas voltar-se para Deus que é amor eterno. Ouvir as Sagradas Escrituras nos faz sentir amados e capaz de amar o outro. O Papa Bento XVI falando especialmente aos Jovens, exortou os jovens para unir e confrontar a vida com a Palavra de Deus, “deveis se familiarizar com a Bíblia, a tê-la na mão para que ele seja como uma bússola apontando o caminho a seguir” (cf. Mensagem do Papa Bento XVI para o Dia Mundial da Juventude 2006).

    A Palavra é um guia seguro porque – entre os muitos ruídos do mundo – nos leva a nos comprometer com os outros nos passos de Jesus, a reconhecer neles a sua vocação.

    O sinal das obras de caridade presentes na nossa Igreja, (hospitais, escolas, abrigos, etc.), as várias atividades de voluntariado, os desafios da justiça, a paz e o cuidado da criação, é fruto da escuta da Palavra de Deus que convoca à missão libertadora. Precisamos meditar a Palavra de Deus continuamente, ela é inspiração e confiança para o presente e esperança para o futuro, “Todo aquele que ouve estas minhas palavras e as põe em prática – diz Jesus – ele é como um homem sábio que construiu sua casa sobre a rocha “(cf. Mt 7, 24). Essa confiança é nutrida pela alegria de sentir-se amado.  Assim, os dois discípulos no caminho de Jerusalém para Emaús, na explicação das Escrituras encontraram-se o calor do coração, redescobriu as razões de esperança, foram envolvidos pela alegria de Deus, (cf. Lc 24,13-35). A escritura, quando narra a história da aliança entre Deus e Seu povo, é um lembrete vivo deste grande amor, que inspira confiança naquele que cumprirá suas promessas. Ao lhes dar razões para a vida e a esperança, a Palavra abre-te para o amanhã de Deus e ajuda-te a atraí-lo ao presente com a força de humildes atos de fé e simples atos de caridade. Por causa de sua força, a Palavra é a razão da esperança que anima o diálogo ecumênico: se nos esforçamos para ser discípulos da única Palavra, como podemos considerar nossas divisões mais importantes da unidade à qual ela nos chama?

    Da escuta obediente à Palavra surge, portanto, a eloquência silenciosa da vida é sempre alimentada pela escuta do Seu Silêncio, que nos alcança através da Palavra e nos abre ao silêncio do desejo e da expectativa. Aqueles que amam a Palavra, sabe como necessário silêncio, interna e externa, para ouvi-la realmente, e deixe a sua luz nos transformar através da oração, reflexão e discernimento no clima de silêncio, à luz das Escrituras, aprendemos reconhecer os sinais de Deus e trazer nossos problemas de volta ao plano de salvação que a Escritura nos testifica. Ouvir é o silêncio frutífero habitado pela Palavra: “O Pai pronunciou uma palavra, que era seu Filho e sempre a repete num silêncio eterno; portanto, em silêncio, deve ser escutado pela alma”, (cf. São João da Cruz, in Sentenças, Ideias de Amor, nº 21). Nunca pronuncie a palavra da vida, sem antes ter primeiro andado nos caminhos do silêncio, na escuta meditativa e profunda da Palavra que vem do Eterno.

    Maria é o ícone da escuta frutuosa da Palavra: Ela nos ensina a acolhê-la, a conservá-la e a meditar incessantemente: “Maria, por sua parte, mantinha todas essas coisas ponderando-as em seu coração” (cf. Lucas 2:19). Imagem perfeita da Igreja, Maria deixa-se moldar pela Palavra de Deus: “Faça-se o que disseste a mim” (cf. Lucas 1,38). E ouvir se torna um presente de amor: a Virgem da Anunciação vai a Isabel para ajudá-la em sua necessidade. Mulher de escuta, Maria se apresenta na visitação como Mãe do Amor: “Para que a mãe do meu Senhor deve vir a mim?” (cf. Lucas 2, 43). Sua voz é portadora da alegria messiânica: “Eis que, assim que a voz da vossa saudação chegou aos meus ouvidos, a criança se alegrava com alegria no meu ventre” (cf. v. 44). Sua bem-aventurança está na capacidade de ouvir e acreditar na Palavra do Senhor: “Bem-aventurada aquela que acreditou no cumprimento das Palavras do Senhor” (cf. Lucas 2,45).  Maria é a mulher da Palavra, peçamos a ela que interceda por nós e que nos ajude a ouvir e viver como ela, a Palavra, me a acolher em nós a Palavra da vida e anunciar aos outros como discípulos missionários da Palavra. Somente o amor se abre para o conhecimento do Amado.

    A Palavra de Deus é nossa motivação da vida que em cada manhã ressuscita em nós trazendo luz e paz, abri as janelas à luz do novo dia, despertando em nós o desejo de vida, olhares, encontros, compromissos, serviços, gestos, e surpresas de Deus.

    Abrir as portas da comunidade para a Palavra do Senhor a fim de que ela ilumine homens e mulheres, abrir espaço para o fôlego do criador por meio do seu Espírito que desde o princípio disse: “e viu que tudo era bom”.

    E desde que há um tempo para tudo, canta a sabedoria, nós desejamos compartilhar um tempo semanal ouvindo a Palavra junto com um grupo de buscadores leigos de justiça, paz e irmandade.

    “Ignorar as Escrituras significa ignorar a Cristo” (cfr São Jerônimo). E assim, caminhando juntos no confronto com a Palavra, descobrimos que podemos ousar falar de Jesus somente se o conhecermos e se nos permitirmos ser amados e provocados por seus pensamentos e ações.

    A Palavra nos provoca e nos convida a todo momento a nos abrirmos para surpresas, porque Deus é realmente inesperado e imprevisível.

    Juntos, tentamos fazer com que esta Palavra fale e nos questione ainda hoje em um nível pessoal, social e eclesial e que seja transformada em uma Palavra viva e verdadeira.

    Que neste mês da Bíblia possamos viver intensamente o dinamismo da Palavra anunciada proclamada e vivida em nossa missão de Cristãos comprometidos com o Evangelho.

    Tua Palavra Senhor é vida em nossa vida.

    Acolhamos a Palavra da vida em nossa vida e comunidade de fé. E assim transformar este mundo com a Palavra de Deus que é Palavra libertadora.

    DEIXE UMA RESPOSTA

    Please enter your comment!
    Please enter your name here