Escatologia em xeque

    Ou o choque escatológico. Um dia virá. Um dia será chegado o fim. Dos sonhos e pesadelos, da alegria e da dor, da matéria animada ou não. Da vida, da natureza, do mundo, do Universo que nos abriga… Mas quando será? “Quanto àquele dia e hora, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas somente o Pai” (Mc 13, 32). Muitos torcem o nariz para tais palavras, outros arregalam os olhos, outros sorriem com ironia. Mas um dia a hora chega. E então, como será?

    Eis um tema de difícil abordagem nos dias de hoje. Assim, dia-a-dia, ano a ano, a Igreja retoma esse assunto, bem real e fluente em toda a palavra de Deus, aquela que denominamos revelação divina. Tanto que é assunto sempre recorrente ao final de mais um ano litúrgico, encerrado pela festa de Cristo-Rei, Senhor do Universo. Tanto que nos estudos teológicos é matéria obrigatória, pois que aprofunda o final das coisas, da vida, da matéria, de tudo, como essencial ao cumprimento das promessas que dão sentido à vida espiritual. É o estudo do fim com aceno à imortalidade espiritual do homem. É o norte da espiritualidade, a vida plena que almeja a alma, não o corpo.

    Mas como aprofundar tão expressiva verdade quando a grande maioria ainda é capaz de zombar da sua própria finitude, da sua transitoriedade, da fragilidade que veste a existência humana? Tudo no universo tem seu tempo e razão de existir. Na física e na matéria nada é permanente, estável. Tudo se transforma, é mutável, perecível. Até a mais sólida das matérias. O que se dirá então da matéria carnal putrefata dos animais que somos? Poucos, pouquíssimos são aqueles que se dão conta disso. Vivem o momento, o prazer de um dia atrás do outro, uma hora, um hiato do tempo e, quando se dão conta, a vida se foi. Colocam em xeque a necessidade de aprimoramento, crescimento, amadurecimento das razões existenciais, aquelas que justificam o tripé das questões da vida: Donde, por que e para onde? Donde viemos, porque viemos e para onde vamos. São esses os maiores dilemas da nossa espiritualidade, que a sensibilidade e o prazer apenas físicos preferem ignorar ou menosprezar.

    Entretanto, a pedagogia cristã – em especial, o sábio calendário litúrgico da fé católica – não peca por omissão. Semana a semana, conduz seus fiéis a um ensinamento real e consolador, mostrando ao povo de Deus os benefícios de uma fé que contempla nossa realidade física e espiritual. A escatologia, para estes, não é um fim simplório, aterrador, mas uma finalidade existencial, compensatória. Tanto que sua reflexão nos leva a aclamar o reinado de Cristo. Tanto que tão logo reconhecemos seu poder e glória sobre a transitoriedade do mundo, da vida, das coisas, do tempo, vamos contemplá-lo num advento de novo tempo, novas esperanças que renascem sempre na manjedoura de Belém.

    Pena que a manjedoura moderna esteja entulhada pelo grito do consumismo, da ilusão fantasiada por um ridículo velhinho de vermelho e seu saco sempre cheio, seu trenó voador, suas renas submissas ao chicote real das dores que nos infligem, afligem. Enquanto não retomarmos o verdadeiro significado da advento natalício, enquanto não valorizarmos com alegria o grande “presente” encarnado naquela criança, enquanto não recolocarmos no devido local o sentido da maior festa cristã, o fim que almejamos estará sujeito às nuvens e trovoadas de um grande desastre, quando tudo poderia ser festivo e translúcido como aquele dia em Belém. O fim virá. Ser belo e festivo depende de nós.

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