Ele virá para a festa

    A perseguição ao Cristo estava acirrada, com promessas de recompensas a quem denunciasse seu paradeiro. Ciente dessa conspiração, Jesus se refugiara em Betânia, na casa de Lázaro. Hordas de perseguidores vasculhavam toda a região. Caifás, o sumo sacerdote, havia jogado lenha na fogueira com seu comentário oportunista: “É melhor morrer um só homem do que toda uma nação”. Profetizou a morte de um justo. Cegos e desorientados quanto à verdade, muitos do povo se somaram à “caçada” daquele “único” homem. Um anônimo dentre eles comentou: “Achais que Ele virá à festa?” Seria tolo um homem assim perseguido apresentar-se publicamente numa ocasião de festa religiosa. Seria entregar-se à morte.

    Mas eis que “aquele homem” retoma seu caminho. E o faz com galhardia, de forma espontânea, mas sem perder a majestade. Entra em Jerusalém como um rei, um soberano amado e acolhido pelo povo com ramos de palma, mantos sob seus pés e o grito “Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor, o rei de Israel!” (Jo 12, 13). Jesus vai para a Festa.

    Que festa aquela, quando tudo apontava para sua condenação e morte, quando as forças ocultas do temerário poder humano já haviam determinado sua sentença capital, quando aqueles que rejeitavam sua doutrina, seus milagres, sua proposta de mudanças, suas promessas de novo sentido à festa judaica, nova “passagem” da morte para a vida, da escravidão para a liberdade, do pecado para a graça, se dividiam entre aclamá-lo como rei e entregá-lo como bandido? Qual a verdadeira motivação de tão sinistra Páscoa?

    Os fatos que se seguiram bem conhecemos hoje. Dois milênios depois, a turba dos indecisos parece ser a mesma daqueles dias. Ainda estamos divididos. Ainda não vislumbramos com clareza o sentido dessa festa. Ainda nos perdemos em nossos becos e vielas à procura do nosso cordeiro pascal, que Abrão encontrou entre espinhos e em circunstâncias de dúvidas. Sacrificar o próprio filho único ou aceitar o holocausto de uma ovelha qualquer? Oferecer a Deus um sacrifício perfeito, que externe nossas fraquezas e nossa gratidão plena, ou trair sua confiança com ofertas impuras, insignificantes, temerárias diante de suas graças e seu amor sempre providencial? Eis que a festa ainda é a mesma. Eis que ainda a realizamos de forma significativa para nossas vidas, apesar da relutante dúvida que permeia nossos corações endurecidos pela razão: Será que Ele virá? Será mesmo que Jesus ressuscitado estará presente em nossas festas pascais, em nossas celebrações de fé que reafirmam a presença viva do cordeiro de Deus entre nós, em nós?

    Um cristão coerente não estaciona na paixão e morte, na via sacra cotidiana, nos limites da nossa insignificância terrena. Passa por esses momentos, mas têm à frente a certeza de sua vitória, sua glorificação plena. Se os horrores do calvário – seja o de Cristo ou nosso próprio – são capazes de despertar em nós o natural instinto de sobrevivência ou superação, a luz da ressurreição estará sempre à frente, a ponto de olharmos para a cruz e nela enxergarmos a luz…. a mesma luz que um dia Jesus afirmou ser. Essa é a festa dos que professam uma fé além da realidade que nos cerca. Se existir trevas, perseguição, dor e morte no caminho, não olhe apenas isso, não estacione sua vida nos limites das próprias limitações, mas estenda seu olhar para o horizonte além dessas; uma festa maior está nos sendo preparada. Um banquete primoroso nos aguarda num futuro de alegrias duradouras, onde encontraremos o Senhor da Festa, aquele que já trilhou esse caminho que hoje é nosso e agora torce por nós. Páscoa é isso: passagem. Um parto para nova vida, vida nova. Acredite: o Senhor estará nessa sua festa!

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