Do sacerdócio leigo ao simples emprego

Francisco Borba Ribeiro Neto

A recente reforma trabalhista, quer seja boa, quer seja má, abriu brechas perigosas no reconhecimento dos direitos de alguns profissionais, entre os quais os professores. É um problema social grave, pois essa categoria enfrenta más condições de trabalho, num setor vital, no qual o desempenho do País tem sido muito fraco.

A recente paralisação dos professores da rede particular, pleiteando a manutenção de direitos trabalhistas, há muito reconhecidos e que agora estão em risco, não é apenas a defesa corporativa de uma categoria. É uma luta pela qualidade da formação das novas gerações e pelo futuro do País.

Contudo, minha mãe, docente do ciclo fundamental, dizia que professores podiam protestar, mas não deviam fazer greve, porque as crianças não eram culpadas dos erros dos adultos e não podiam ter sua formação comprometida. Na Faculdade de Ciências Sociais, no período da ditadura, um dos professores mais engajados e coerentes nos chocou dizendo que operários e trabalhadores do setor produtivo faziam greve, mas professores e estudantes, quando queriam mudar o mundo, ensinavam e estudavam mais ainda.

Vinham de uma época na qual a docência era vista como sacerdócio leigo. Para minha mãe, como um culto cristão do amor aos pequenos. Para meu professor, como um culto iluminista de emancipação pelo saber.

Numa sociedade cada vez mais mercantilista e individualista, os professores “se conscientizaram” que esse sacerdócio era uma ilusão da ideologia capitalista. Somos – por que eu também sou um professor de hoje – apenas trabalhadores assalariados, que têm de lutar por seus direitos contra os desmandos do mercado capitalista.

Na verdade, trata-se das duas dimensões do trabalho às quais aludia São João Paulo II na Laborem exercens . Em sua dimensão subjetiva, o magistério é uma daquelas profissões que exigem tal carga de doação pessoal que não podem ser vistas senão como sacerdócio. Na objetiva, é uma atividade assalariada como todas as demais, num mundo onde predominam o lucro e a exploração do trabalho.

O drama dos professores reside, na atualidade, na enorme contradição entre essas duas dimensões. Nossa dignidade pessoal passa pela dimensão subjetiva, mas também pelo reconhecimento objetivo, que se concretiza em salários e condições de trabalho.

Os docentes que mantêm esse valor subjetivo do magistério (que são a maioria), quando convocados para paralisações e greves, ficam divididos entre esse senso de dever e a necessidade de ter suas reivindicações ouvidas e atendidas.

Um problema adicional: a educação dos menores é um serviço essencial até porque os pais que trabalham não têm onde deixar seus filhos durante as paralisações. E as paralisações em serviços essenciais tendem a criar mais hostilidade do que empatia com as categorias paradas.

O equilíbrio entre todos esses fatores é o desafio que se coloca às lideranças dos movimentos docentes. A história recente traz exemplos tanto de sucesso quanto de fracasso na busca desse equilíbrio e, em consequência, no êxito do movimento.

Para os católicos, é um desafio e uma oportunidade. Sendo tanto empregados quanto empregadores, são chamados a encontrar as formas adequadas de conciliar essas duas dimensões do trabalho docente, enfrentando com criatividade os desafios do mercado e da conjuntura.

Não há boa educação sem bons professores. A sociedade precisa encampar as justas reivindicações dos professores e fortalecer os movimentos e organizações pró-educação que vêm crescendo no Brasil.

Em ano eleitoral, não custa perguntar: você vai votar em candidatos que, de fato, apoiarão os professores e a melhoria da educação?

 

Fonte: jornal O SÃO PAULO.

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