Dia Mundial da paz

    No dia 1º de janeiro comemoramos o dia da confraternização universal, da circuncisão e do nome de Jesus na grande Solenidade de Maria Mãe de Deus. Também nesse dia, abrimos o ano com o dia mundial da paz. Neste 52º ano o Papa Francisco ilumina esse dia com o tema: “A boa política está ao serviço da Paz”.

    Quando se fala que falta paz em nosso Brasil e em nossa cidade, perguntamos: de que paz é esta que estamos falando? Um sossego momentâneo? A ausência de conflitos? Na realidade estamos falando de um ambiente e de uma cultura da paz. De um estado de harmonia e reconciliação consigo mesmo, com as outras pessoas e com Deus.

    Paz não é apenas ausência de violência ou de guerra. Nesse sentido, a paz entre nações e dentro delas, é o objetivo assumido de muitas organizações internacionais, embora nem sempre consigam realizar suas finalidades. Em nível pessoal, paz designa um estado de espírito reconciliado, isento de ira, de desconfiança e – de um modo geral – de todos os sentimentos negativos. É um estado de espírito e um objetivo de vida. A paz é mundialmente representada pela pomba e pela bandeira branca.

    Do ponto de vista da fé, paz é um dom, mas é, também, uma tarefa. Cristo no deu sua paz: “Deixo a paz a vocês; a minha paz dou a vocês. Não a dou como o mundo a dá. Não se perturbe o seu coração, nem tenham medo” (Jo 14, 27). Mas é, também, tarefa: depende se cada um de nós e das entidades de que participamos. Os construtores da paz são chamados de felizes por Jesus Cristo: “Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9). O dia mundial da paz, iniciativa da Santa Mãe Igreja, nos convida a participarmos de iniciativas que ajudam a construir a paz.

    O que mais se ouve no princípio de cada ano novo são os votos de paz e de felicidade. Isso demonstra os desejos profundos dos corações hmanos. Se olharmos com realismo a situação atual do mundo e mesmo dos distintos países, inclusive do nosso, o que mais falta é justamente paz. Ela é um bem tão precioso que sempre é desejado.

    O Santo Padre em sua mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano recorda:

    “A propósito, vale a pena recordar as «bem-aventuranças do político», propostas por uma testemunha fiel do Evangelho, o Cardeal vietnamita Francisco Xavier Nguyen Van Thuan, falecido em 2002:

    Bem-aventurado o político que tem uma alta noção e uma profunda consciência do seu papel.

    Bem-aventurado o político de cuja pessoa irradia a credibilidade.

    Bem-aventurado o político que trabalha para o bem comum e não para os próprios interesses.

    Bem-aventurado o político que permanece fielmente coerente.

    Bem-aventurado o político que realiza a unidade.

    Bem-aventurado o político que está comprometido na realização duma mudança radical.

    Bem-aventurado o político que sabe escutar.

    Bem-aventurado o político que não tem medo.[5]

    Cada renovação nos cargos eletivos, cada período eleitoral, cada etapa da vida pública constitui uma oportunidade para voltar à fonte e às referências que inspiram a justiça e o direito. Duma coisa temos a certeza: a boa política está ao serviço da paz; respeita e promove os direitos humanos fundamentais, que são igualmente deveres recíprocos, para que se teça um vínculo de confiança e gratidão entre as gerações do presente e as futuras.”

    E precisamos nos empenhar muito para conseguir aquele mínimo de paz que torna a vida apetecida: paz interior, paz na família, paz nas relações de trabalho, paz no jogo político e paz entre os povos e, sobretudo, paz com Deus. E como é necessária! Além dos atentados terroristas, existem no mundo muitos focos de guerras ou conflitos, geralmente, devastadores. O Papa Francisco fala da guerra mundial aos pedaços.

    São muitas e até misteriosas as causas que destroem a paz e impedem a sua construção. Entre elas temos a profunda desigualdade social mundial. Thomas Piketty escreveu um livro inteiro sobre A economia da desigualdade (Intriseca 2015). O simples fato de que cerca de 1% de multi-biliardários controlarem grande parte das rendas dos povos e no Brasil, segundo o especialista no ramo Márcio Pochmann, cinco mil famílias deterem 46% do PIB nacional nos mostra o nível da desigualdade.

    Piketty reconhece que “a questão da desigualdade das rendas dos trabalhos talvez tenha se tornado a questão central da desigualdade contemporânea senão de todos os tempos” (Op.cit. p. 12). Rendas altíssimas de uns poucos e pobreza infamante das grandes maiorias.

    Não esqueçamos que desigualdade é uma categoria analítico-descritiva. Ela é fria pois não deixa ouvir o clamor do sofrimento que esconde. Ético-politicamente se traduz por injustiça social. E teologicamente, em pecado social e estrutural que afeta o desígnio do Criador que criou todos os seres humanos como sua imagem e semelhança, com igual dignidade e com os mesmos direitos. Esta justiça original (pacto criacional) se rompeu ao largo da história e nos legou o atual estado de uma injustiça clamorosa, pois afeta os que não conseguem se defender por própria conta.

    Uma das partes mais contundentes da Encíclica do Papa Francisco sobre O cuidado da Casa Comum é dedicada à “desigualdade planetária” (nn.48-52). Vale citar suas palavras:

    “Os excluídos são a maioria do planeta, milhares de milhões de pessoas. Hoje são mencionados nos debates políticos e econômicos internacionais, mas com frequência parece que os seus problemas se colocam como um apêndice, como uma questão que se acrescenta quase por obrigação ou perifericamente, quando não são considerados meros danos colaterais. Com efeito, na hora da implementação concreta permanecem frequentemente no último lugar…deve-se integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o grito da Terra como o grito dos pobres” (n.49)

    Aqui reside outra causa da destruição das condições para a paz seja entre os seres humanos seja com a Mãe Terra: esta é ultra explorada; tratamos injustamente nossos semelhantes; não nutrimos sentido de equidade nem de solidariedade para com os que menos têm e são condenados a morrer antes do tempo.

    A Encíclica vai ao ponto nevrálgico ao dizer: “é preciso revigorar a consciência de que somos uma única família humana. Não há fronteiras nem barreiras políticas ou sociais que permitam isolar-nos e, por isso mesmo, também não há espaço para a globalização da indiferença”(n.52).

    A indiferença é a ausência de amor, é expressão de cinismo e de ausência da inteligência cordial e sensível. Esta é sempre retomada em minhas reflexões, pois sem ela não nos animamos a estender a mão ao outro nem a cuidar da Terra, também ela submetida à gravíssima injustiça ecológica: movemos-lhe guerra em todas frentes a ponto de ela ter entrado em processo de caos com o aquecimento global com os efeitos extremos que ele causa.

    Em resumo: ou seremos pessoal, social e ecologicamente justos ou nunca gozaremos de paz serena.

    Uma possível definição de paz foi dada pela Carta da Terra, ao afirmar: “a paz é a plenitude que resulta das relações corretas consigo mesmo, com outras pessoas, com outras culturas, com outras vidas, com a Terra e com o Todo do qual somos parte” (n.16, f). Aqui fica claro que paz não é um dado que existe em si. Ela é o resultado de relações corretas com as diferentes realidades. Sem estas corretas relações (isso é justiça) jamais desfrutaremos de paz.

    O Papa Francisco em sua mensagem deste ano cita também uma bela reflexão sobre a importância da paz: “Com efeito, a paz é fruto dum grande projeto político, que se baseia na responsabilidade mútua e na interdependência dos seres humanos. Mas é também um desafio que requer ser abraçado dia após dia. A paz é uma conversão do coração e da alma, sendo fácil reconhecer três dimensões indissociáveis desta paz interior e comunitária:

    – a paz consigo mesmo, rejeitando a intransigência, a ira e a impaciência e – como aconselhava São Francisco de Sales – cultivando «um pouco de doçura para consigo mesmo», a fim de oferecer «um pouco de doçura aos outros»;

    – a paz com o outro: o familiar, o amigo, o estrangeiro, o pobre, o atribulado…, tendo a ousadia do encontro, para ouvir a mensagem que traz consigo;

    – a paz com a criação, descobrindo a grandeza do dom de Deus e a parte de responsabilidade que compete a cada um de nós, como habitante deste mundo, cidadão e ator do futuro.”

    O bispo diocesano é o pai da comunidade diocesana e zela pelos seus filhos e filhas, tornado a vida da Igreja Particular um ambiente de paz e de solidariedade. Por isso é evidente que dentro do quadro atual de uma sociedade produtivista, consumista, competitiva e nada cooperativa, indiferente e egoísta, mundialmente globalizada, não poderá haver paz. No máximo alguma pacificação. Temos que politicamente criar outro tipo de sociedade que se assente em relações justas entre todos, com a natureza, com a Mãe Terra e com o Todo (o Mistério do mundo ou Deus) a quem pertencemos. Então florescerá a paz que a tradição ética definiu como “a obra da justiça”.

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