Acolhe e anuncia!

    O Evangelho deste XXIII Domingo do Tempo Comum apresenta-nos um homem surdo e que falava com dificuldade, que é colocado diante de Jesus para que ele o cure. Quem é este homem? É a humanidade, enquanto fechada para o dom de Deus, que Jesus nos traz. Surda, por que incapaz de ouvir a Palavra; ouvi-la compreendendo-a, acolhendo-a no coração: “tem ouvido para ouvir, mas não ouve” (Jr 5,21; cf. Mt 13,14-15). No fundo, aqui é apresentada a iniciação cristã: leva para fora da multidão e a pessoa começa a ouvir a Palavra de Deus e, consequentemente, louva o Senhor e anuncia o Evangelho.
    Não ouvir a Palavra e não louvar a Deus: esta é a tendência do coração humano que a Sagrada Escritura sempre denunciou: o fechamento para não acolher a proposta que Deus nos faz, de um caminho com Ele, a tendência de nos fechar em nós e viver a vida como se fosse nossa de modo absoluto: “Escutai, prestai ouvidos, não sejais orgulhosos, porque o Senhor falou”! (Jr 13,15); “Ah! Se meu povo me escutasse, se Israel andasse em meus caminhos… Mas meu povo não ouviu a minha voz, Israel não quis saber de obedecer-me; então os entreguei ao seu coração endurecido: que sigam seus próprios caminhos”! (Sl 81/80, 14.13). Assim, no fundo, é o fechamento para Deus, para um Deus verdadeiro, a resistência em realmente levar a sério o primeiro mandamento: “Ouve, ó Israel”! (Dt 6,4).
    Ora, se somos surdos, também não podemos falar com clareza: nossas ideias são embotadas, nossos debates, nossas palavras não chegam ao essencial da vida, do sentido da existência; não podemos proclamar de verdade a alegria da salvação, da plenitude de quem sabe de onde vem e para onde vai. A comunicação se torna oca, alienada e alienante. Basta observar a tendência da mídia hoje. Por isso, Jesus cura primeiro a surdez e, depois, a gagueira do homem. Quando ele puder ouvir o Senhor, tornando-se discípulo pela fé, também poderá falar, proclamar a ação de Deus em Jesus: do Deus que salva e nos mostra o sentido da vida, abrindo-nos a esperança eterna. No fundo é viver o Batismo. Até hoje um dos ritos possíveis é justamente o “Éfeta (efatá)”.
    Jesus abre os ouvidos e solta a língua de um surdo-mudo. E o povo, entusiasmado, vê nessa cura um sinal da presença do Poder salvífico do Messias e exclama: “Tudo Ele tem feito bem. Fez os surdos ouvirem e os mudos falarem”.
    Nesta cura que o Senhor realizou, podemos ver uma imagem da sua ação nas almas: Ele livra o homem do pecado, abre-lhe os ouvidos para que escute a Palavra de Deus e lhe solta a língua para que louve e proclame as maravilhas divinas. Santo Agostinho, ao comentar esta passagem do Evangelho, diz que a língua de quem está unido a Deus “falará do bem, tornará unido os que estavam divididos, consolará os que choram… Deus será louvado, Cristo será anunciado”. É o que nós faremos se tivermos o ouvido atento às contínuas moções do Espírito Santo, e a língua preparada para falar de Deus sem respeitos humanos.
    Existe uma surdez da alma que é pior que a do corpo, por que não há pior surdo do que aquele que não quer ouvir. São muitos os que têm os ouvidos fechados à Palavra de Deus, e são também muitos os que se vão endurecendo cada vez mais ante as inúmeras chamadas da graça. O nosso apostolado paciente, tenaz, cheio de compreensão, acompanhado de oração, fará com que muitos dos nossos amigos ouçam a voz de Deus e se convertam em novos apóstolos que a preguem por toda a parte.
    Não podemos ficar mudos quando devemos falar de Deus e da sua mensagem sem constrangimento algum, antes vendo nisso um título de glória: os pais aos seus filhos; o amigo ao amigo, com sentido de oportunidade, mas sem receios; o colega de escritório aos que trabalham ao seu lado, com o seu comportamento exemplar e alegre e com a palavra que estimula a sair da apatia; o estudante aos colegas de Universidade com quem convive tantas horas por dia.
    Este caminho do surdo-gago é urgente para o cristão: reaprender a escutar de verdade Jesus (= crer Nele de verdade) e falar Dele ao mundo no testemunho corajoso, pois, somente assim, a humanidade atual encontrará a paz que tanto almeja. Somente em Cristo, aquilo que a primeira leitura vislumbra e anuncia de modo tão belo pode realizar-se: “Dizei às pessoas deprimidas: ‘Criai ânimo, não tenhais medo! Vede! É o nosso Deus que vem; é Ele que vem para salvar’! Então se abrirão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos. O coxo saltará como um cervo e se desatará a língua dos mudos, assim como brotarão águas no deserto e jorrarão torrentes no ermo. A terá árida se transformará em lago, e a região sedenta, em fontes d’água” – Que imagens impressionantes, belas, evocativas! Quando Deus vem, quando Ele está presente, tudo é vida, tudo é plenitude, tudo canta de alegria! Não é disso que nosso mundo atual tanto precisa? Mas, o homem fechado na sua soberba – nós, fechados na nossa autossuficiência e no nosso comodismo – jamais vai experimentar isso.
    Que o Senhor nos cure da surdez e da gagueira; faça-nos atentos à Sua Palavra e ao Seu testemunho; dê-nos olhos para reconhecê-Lo nos irmãos, sobretudo nos pobres, seja de que pobreza for, principalmente os pobres social e economicamente falando! Como homens novos que escutam a Palavra e testemunham o Senhor, a censura que a carta de Tiago nos dirige nesta semana ecoará nos corações sensíveis e nos fará, escutando a Palavra que salva, acolher os que estão nas “periferias existenciais”, que são os preferidos de Deus como nos diz neste domingo a segunda leitura.
    “A catequese é momento eclesial de toda estrutura pastoral, de toda solidariedade e instituição eclesial, de toda estrutura que possa contribuir para a edificação do Corpo Místico de Cristo. A Palavra de Deus é essencial para toda experiência cristã; não há iniciativa ou estrutura pastoral que não reflita a exigência de escutar, de apresentar e de aprofundar a mensagem evangélica”. (RdC 143).

    Orani João, Cardeal Tempesta, O.Cist.
    Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ